Será possível mensurar quanta história existe guardada no Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas (Cepa) da Unisc? Completando 50 anos em abril de 2024, o local é um dos mais antigos do Estado e um dos que possui o maior acervo do Rio Grande do Sul. A sala que abriga todo este material está no Auditório do Memorial, localizado no campus da universidade. O valor da arqueologia está na possibilidade de reconstrução de sociedades antigas, na compreensão da evolução da humanidade, na preservação do patrimônio cultural e na contribuição para o desenvolvimento de teorias sobre a evolução humana, o surgimento das civilizações e a interação de diferentes culturas.
A arqueologia no Vale do Rio Pardo inicia com o Museu do Mauá, explica o arqueólogo coordenador do Cepa, Sergio Klamt. “Arqueólogo do Museu do Mauá, Pedro Augusto Mentz Ribeiro, liderou os trabalhos no primeiro Centro de Pesquisa instituído pela Associação Pró-Ensino de Santa Cruz do Sul (Apesc), em 1974”, recorda. Com o propósito de ser apoio à capacitação docente do curso de Estudos Sociais nas disciplinas de Antropologia Cultural, História e História do Brasil, o centro atuou também na reconstituição de formas de vida do passado no Vale do Rio Pardo, no Estado e até fora dele. “Era uma época em que os órgãos de fomento ofereciam mais recursos para a pesquisa, entrei, inclusive, como bolsista”, diz.
A arqueologia passa por três fases: arqueologia comunitária, arqueologia acadêmica e, hoje, a de licenciamento. “Na comunitária havia a participação da comunidade, inclusive os meios de comunicação publicavam semanalmente uma coluna com os resultados das pesquisas da semana anterior. Sempre que alguém encontrava algum vestígio em sua propriedade, comunicava ao centro e isso resultava em uma nova pesquisa. Na fase acadêmica, a arqueologia se tornou difícil para o público por conta da escrita, isso afastou as pessoas, embora fosse um período positivo pela quantidade de recursos investidos nas pesquisas. A arqueologia de licenciamento surge da quantidade de obras de grande porte ocasionando a destruição de muitos sítios. Sem legislação para a prática da atividade, as universidades enxergaram a oportunidade de oferecer bacharelados. Com a comunidade afastada, ocorre a partir de então a tentativa de reaproximá-la da arqueologia”, explica Sérgio.
A mudança na legislação trouxe vantagens. “Hoje, todo projeto de arqueologia precisa conter junto um projeto de educação patrimonial. Isso significa devolver à comunidade o resultado daquela pesquisa, e aí entra o nosso trabalho com o projeto Organização e Extroversão do Patrimônio Arqueológico do Cepa-Unisc”, salienta.
E é por meio do projeto Organização e Extroversão do Patrimônio Arqueológico do Cepa-Unisc, que Sérgio acredita ser possível estreitar esta relação com a comunidade. O trabalho inicia cedo, em parceria com escolas dispostas a contemplar o assunto entre os conteúdos. Há mais de um ano, faz parceria com Helio Etges, professor colaborador do projeto, para ministrar nas escolas atividades relacionadas à arqueologia. O tema varia sempre de acordo com a organização pedagógica de cada escola.
Em 2023, mais de três mil alunos tiveram acesso ao projeto. Foram desenvolvidos na Emef Narciso Mariante de Campos, de Venâncio Aires, oficinas de simulação de escavação arqueológica, a escrita petroglífica e a contação de história sem uso do alfabeto, e na Escola Estadual de Ensino Médio Affonso Pedro Rabuske, situada em Linha Santa Cruz, trabalhos com patrimônio cultural material e imaterial focados na gastronomia trazida pelos imigrantes alemães à região. Nesta última, a ideia é construir uma réplica de forno de pão. “É muito gratificante trabalhar com os pequenos. A arqueologia muda o ambiente de cada aula. Os alunos esperam a gente voltar para fazer exercícios práticos”, afirma Hélio.
Os alunos da Narciso Mariante de Campos trabalharam com escavações. Para isto, a escola deve ter disponível uma área onde o ambiente possa ser preparado. Os alunos vivenciam todo o processo de trabalho dos arqueólogos. Demarcam a área, iniciam o processo de escavação, utilizam réplicas de ferramentas e aprendem a manuseá-las preservando os itens encontrados. Geralmente a atividade ocupa um turno inteiro de aula.
Em outros casos, Sérgio e Hélio recebem turmas em um espaço de prática simulada de arqueologia. No local, as crianças podem experimentar o processo de escavação. “Inventamos oficinas, jogos, cartilhas, tudo na tentativa de aproximar nosso tema da comunidade”, confidencia Sérgio. Escolas interessadas em participar de projeto podem contatar o Cepa pelos telefones (51) 3717-7628 ou (51) 3717-7346.
Com o maior acervo do Rio Grande do Sul, o Cepa reúne 40% do material encontrado no Estado. Possui itens de todos os grupos que habitaram este espaço, seja caçadores, coletores, ceramistas ou horticultores. Os outros 60% estão diluídos em outras instituições. Cada local onde é feita uma coleta é chamado de sítio. O primeiro sítio registrado pelo centro foi o de Amanda Barth, localizado em Rio Pardinho, com cerca de 6 mil anos. “Lá encontramos mais de mil pontas de flechas utilizadas por caçadores e coletores que não cultivavam, apenas caçavam, pescavam e coletavam”, explica Sérgio.
Em Montenegro fica o sítio mais antigo registrado no Cepa. É de Afonso Garivaldino e possui mais de 9 mil anos. Lá foram encontrados restos de comida, pontas de flecha e ossos. Ao todo, mais de 10 mil itens.
Visitar o Cepa é mergulhar no passado. Dentre as prateleiras, milhares de itens estão armazenados em caixas, catalogados, aguardando montagem para serem expostos. Além dos artefatos como as pontas de flecha, a cerâmica predomina entre os materiais encontrados. Exuberantes, as tumbas chamam atenção pelo tamanho e pelos detalhes. Elas foram trazidas para o RS pelos Guaranis, que vieram da Região Amazônica. “Acreditamos que estas tumbas foram inicialmente utilizadas para o preparo de alimentos. Como eram expostas ao fogo, ao perderem o fundo, acabaram sendo utilizadas como urna funerária, para enterrar os corpos”, revela o arqueólogo.