compartilhe >>

De volta à escola na fase adulta, vera-cruzenses querem mais oportunidades


Fonte: Grupo Arauto
Publicado 02/08/2022 20:00

Geral   EDUCAÇÃO

Depois de muito tempo longe da escola, o primeiro dia de aula de Janete Scherer Petry, de 45 anos, e Fátima Rejane Fraga, de 51, ocorreu no dia 26 de julho. As duas, quando mais jovens, largaram os estudos para auxiliar nas contas de casa. Janete se dedicou ao trabalho na lavoura, e Fátima ao trabalho doméstico e de cuidado de crianças. Agora, elas podem recuperar o aprendizado que ficou para atrás, junto ao Núcleo Municipal de Jovens e Adultos (Cemeja), de Santa Cruz do Sul, assim como fazem outros quatro moradores de Vera Cruz, em uma parceria da Secretaria de Educação do município, juntamente com a pasta em Santa Cruz.

Com o início do semestre, os estudantes vera-cruzenses passaram a integrar as turmas do Cemeja, levando em conta o grau de dificuldade e o histórico escolar, além de receberem as passagens para o deslocamento até a cidade vizinha. Fátima, apesar da timidez, é uma das mais animadas a cursar a alfabetização, algo que sonhara por muito tempo. “Sempre quis voltar a estudar, mas parecia que nunca dava certo, até que fui fazer a matrícula do meu filho na escola e perguntei se sabiam de algo. Não demorou muito para aparecer essa oportunidade. Não quero mais passar as dificuldades que tive na vida pela falta de estudo”, revela. 

No dia a dia, Fátima consegue ler uma mensagem recebida no celular ou a placa indicando o destino do ônibus, porém, tem dificuldade em explicar o que está escrito, associar o contexto das frases. “Queria poder contar pras pessoas com mais clareza o que eu li. Já me senti mal algumas vezes por isso, mas quero melhorar e ter também uma letra mais bonita”, frisa ela, que nunca conseguiu auxiliar os filhos no tema de casa, quando eles eram pequenos. “Eu tinha que dizer que não sabia”, lamenta. 
 Por sua vez, Janete relata a dificuldade em conseguir emprego. “Já deixei muito currículo por aí, mas quando eles veem que eu não tenho estudo, já dizem que não dá”, explica. Então, depois de muito incentivo do filho Jarbas Petry e da nora Paula Schoepf, ela está matriculada no 6º ano do Ensino Fundamental (etapa 6 para o Cemeja). 

Uma puxa a outra

A cada dia, além do receio em voltar para a escola, Janete enfrenta a batalha contra a depressão. “Fiquei bastante nervosa no primeiro dia de aula, porque fazia muito tempo que não vinha pra escola, eu só fazia o mesmo trajeto todo dia: da minha casa pra casa da minha mãe e o contrário. Vir até aqui é uma batalha contra a depressão, mas coloquei na minha cabeça que vou conseguir, ainda que tenha quem me olhe estranho por voltar a estudar tão tarde”, relata. 

Nessa luta diária, Janete já tem uma motivadora e tanto. É Fátima, que ao menor sinal de desmotivação da, agora, amiga, faz questão de incentivá-la. “Hoje ela já disse que estava meio assim e eu retruquei, dizendo: ‘vamos pegar o ônibus e ir pra aula. Agora que tenho o número do WhatsApp dela, vou mandar mensagem pra lembrar da aula todo dia”, salienta Fátima.   

Em busca do sonho 

E não é que ter uma parceira na escola e, mais ainda, o convívio com outros colegas, seja nas aulas ou nos recreios regados a muito papo, vem provocando mudanças muito significativas para Janete? “Ontem [primeiro dia de aula] achei que não ia conseguir voltar hoje, mas tô feliz de ter voltado. Minha primeira aula foi de história e eu amei. Já consegui responder as perguntas do professor, numa conversa muito boa”, recorda. 

Nesse ritmo, Janete quer seguir série a série até concluir o Ensino Fundamental e, quem sabe, como incentivam o filho e a nora, conquistar um diploma. Por enquanto, ela não descarta a possibilidade de poder realizar um sonho de infância, o de tornar-se secretária, sabendo que já trilha o caminho certo para isso, o do conhecimento.  

Acolhimento faz toda a diferença

Nas turmas do Cemeja, com aulas de manhã e a noite, a preocupação maior da equipe de trabalho é receber os jovens, adultos e pessoas com deficiência de forma acolhedora. “Eles precisam se sentir bem neste ambiente, sabemos que não é fácil para muitos deles estarem de volta à escola. Eles têm toda a liberdade de dialogar sobre as dificuldades com os professores, chamar ele de canto, se não quiserem falar na frente da turma. Sempre vai ter algum profissional aqui disposto a puxá-los pra cima”, enfatiza a coordenadora adjunta da noite do Cemeja, Márcia Helena Friederich de Freitas. “A gente cria um vínculo com eles, além de fazer a chamada do professor, fazemos a nossa chamada pra contar o que vai ter no lanche, fazemos o recreio junto com eles, então, vai se criando um hábito de amizade, de parceria”, complementa a orientadora educacional, Greice Helena Kessler. 

Nesse contexto, frisa o coordenador adjunto da manhã, Fridolino Roberto Schneider, os alunos, além do aprendizado, desenvolvem a autoestima, em um processo de cuidado com sua saúde mental. “A gente vê alunos como a Janete que chegam aqui com essa dificuldade e que daqui um mês têm um discurso diferente, falando do quanto estão felizes pela escolha que fizeram”, ressalta ele, ao citar o prazer e a alegria sentida pelos alunos ao poder ler um jornal, compreender uma receita. Atividades corriqueiras, mas que para esses alunos só se tornam possíveis na fase adulta, a exemplo do uso da tecnologia. “Quando chegam aqui, eles têm medo de usar o computador, mas aos poucos eles vão tendo a motricidade, utilizando as ferramentas, tudo no tempo deles. No fim, eles já esperam ansiosos pelo dia de vir para o laboratório de informática”, arremata a professora de informática, Jaqueline Grunewald Schaefer. 

 


Foto: Grupo Arauto / Taliana Hickmann
Janete já vê melhoras na autoestima após voltar a estudar
Janete já vê melhoras na autoestima após voltar a estudar

Foto: Grupo Arauto / Taliana Hickmann
Fátima busca  compreender melhor o contexto das frases e dos textos que lê
Fátima busca compreender melhor o contexto das frases e dos textos que lê