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As lembranças que guardam os antigos clubes de ciências das escolas de Vera Cruz


Fonte: Jornal Arauto
Publicado 10/04/2021 14:00

Geral   ÉPOCA QUE MARCOU

Remeter aos tempos de escola é recordar as brincadeiras no pátio, as atividades com os colegas em sala de aula, as amizades que iniciaram nos corredores, além de uma figura marcante no processo de formação: o(a) professor(a). Para alguns vêm à memória aquele educador gentil, de sorriso cativante. Para outros, aquele que sempre chamava a atenção quando os alunos faziam peraltices. Ou ainda, aquele que ia além dos livros para ensinar, apostando na criatividade para cativar a atenção dos alunos. Esse certamente tornou-se inspiração e, neste processo de ensinar e aprender, incentivou o gosto pela matéria que lecionava. 

Iris Lenz Ziani foi uma dessas fontes de inspiração para estudantes do Ensino Fundamental que frequentaram as escolas municipais, estaduais e particulares da Capital das Gincanas por volta da década de 80 e o início dos anos 90. Cativados pelos projetos e experimentos propostos por ela nas aulas ou nos clubes de ciências, muitos criaram gosto especial pela matéria e tem até quem hoje segue carreira na área inspirado(a) pela profissional.   

Íris conta que na época Vera Cruz contava com um Centro Municipal de Ciências e que através de um convênio entre a Prefeitura e as antigas Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul (FISC) – hoje Unisc – um grupo formado por monitores e professores desenvolvia atividades nos educandários, como o clube de ciências. “Em algumas escolas tinha o clube de ciências no período extra às aulas e, em outras, principalmente nas do interior, acontecia no horário de aula”, revela. 

Nos educandários, os projetos científicos buscavam explorar necessidades de cada lugar e da realidade dos alunos. Dessa forma, os estudantes identificavam problemas e propunham soluções. Na Escola Olavo Bilac, em Linha Sítio - hoje desativada -, Íris se recorda que um dos problemas dizia respeito às formigas que atrapalhavam o desenvolvimento dos plantios na horta. “A ideia era eliminar as formigas, mas sem prejudicar o meio ambiente. Lembro que eles recorreram às famílias para saber o que fazer, inventaram receitas e as testaram. Numa delas usamos um chiclete famoso na época e misturamos com azeite. Mas teve uma em especial – que não me recordo mais da receita –, ensinada pelos avós e parentes, que realmente resolveu o problema”, relembra a educadora. Em outra escola, o objetivo dos alunos foi eliminar o lixo no Arroio Andréas e recuperar a mata ciliar no entorno. “Este trabalho foi desenvolvido com o apoio de fumageiras e do Ibama. Fizemos toda a medição do arroio, plantamos árvores no entorno e buscamos conscientizar a população para não derrubar a mata ciliar do local, porque estava devastada na época”, conta. 

Segundo Íris, os projetos iam além de encontrar problemas e soluções, era preciso levantar as hipóteses sobre como resolver o problema ou o que poderia interferir no resultado, saber o que era possível controlar ou não, sempre seguindo a metodologia científica. “Era maravilhoso porque eles se envolviam nos projetos de verdade”, diz ao citar que, certa vez, estudantes da 6ª série se questionaram porque Vera Cruz não tinha um túnel verde como o de Santa Cruz do Sul. “Eles entrevistaram várias pessoas e perguntaram o que elas gostariam que fosse melhorado na cidade, dentro da abordagem científica, e surgiram ideias como a do túnel verde, de colocar plaquinhas de identificação nas árvores da Praça José Bonifácio conforme cada espécie e de ter mais iluminação no local. Eles, inclusive, conversaram com o Prefeito Haroldo Genehr e depois as coisas foram sendo colocadas em prática. Foi muito bacana”, ressalta.

A professora de ciências conta que apesar do pouco tempo que permanecia em cada escola, em algumas somente uma hora por semana, o trabalho desenvolvido era muito gratificante, especialmente pelo envolvimento dos alunos nos projetos e pelos resultados que mudaram a realidade deles e de Vera Cruz. “Quando ando de carro por aí e vejo coisas que fizeram ou que surgiram a partir da curiosidade deles, me emociono. A única coisa que me deixa triste é saber que acabou, pois era muito legal. Inclusive, hoje em dia, noto que precisamos mais disso na educação, deste envolvimento, de usar a imaginação em conjunto com os conteúdos para despertar a atenção dos alunos e proporcionar mudanças em suas realidades”, salienta.

Nas Feiras de Ciências, projetos ganhavam visibilidade

Os projetos desenvolvidos nos clubes de ciências ou nas aulas ministradas pela professora Íris saíam do ambiente escolar e eram apresentados à comunidade nas Feiras de Ciências. “A maioria das feiras era realizada no pavilhão da Comunidade Evangélica, mas numa época também foram no Guidão. Iniciava de manhã e ia até a noite com apresentação de projetos. Os alunos adoravam”, revela. A partir deste evento, Íris conta que os projetos eram avaliados por uma comissão e os melhores iam para a Feira Regional de Ciências, à Feira Estadual e assim por diante, até chegar na Internacional.

Aliás, foi durante as feiras estadual e nacional de Quaraí – localizada na fronteira do Brasil com o Uruguai –, em outubro de 1992, que Íris conheceu seu marido Carlos Ziani. Na ocasião, o projeto “Investigando o curso do Arroio Andréas” das alunas Juliana Laís Vinost, Fabiana Raquel Barth e Marina Amanda Barth, da 5ª séria da Escola José Bonifácio, fora selecionado para a etapa. “Ele era o coordenador financeiro da feira e foi lá que nos vimos pela primeira vez. Hoje, [neste dia 9 de abril] estamos completando 27 anos de casados”, conta ao se recordar das boas lembranças da época. 

Além das feiras, outra atividade que envolvia os estudantes era a gincana do Dia da Árvore. “A gente reunia as turmas de 4ª série do município num dia inteiro na Praça José Bonifácio. Na gincana tinha tarefas relacionadas ao Dia da Árvore e todas tinham que ser resolvidas sem sair da praça”, recorda, ao citar que a gincana, assim como as feiras, motivavam não só as crianças, mas toda a comunidade. 

Hoje, aos 54 anos, após deixar as salas de aula em 2008 – quando ministrava aulas de física -, Íris atua na sala dos Conselhos, na Prefeitura de Vera Cruz. Mesmo longe dos clubes de ciências, a mãe de Caroline e Gabriel Lenz Ziani segue incentivando a juventude nas diversas atividades rm que atua, como o Interact Club Vera Cruz. E ao recordar as atividades que desenvolvia com os estudantes do município décadas atrás, sente que fez a diferença para a cidade que escolheu trabalhar e criar raízes. “Até pensei em desenvolver trabalhos em outros locais, mas no fundo, sempre tinha este desejo de me dedicar a Vera Cruz e provocar alguma mudança na cidade”, arremata.  

De aluna da professora Íris à orientadora do curso de Química Industrial

A professora Íris Lenz Ziani se orgulha em saber que lá atrás plantou uma sementinha na vida de muitos alunos, que mais tarde seguiram carreira na área das ciências, como é o caso de Cristiane Luisa Jost, hoje com 38 anos. 

Cris, como é conhecida, é professora do Programa de Pós-Graduação em Química da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). No laboratório orienta os alunos em pesquisas na área de Química Analítica, desenvolvendo métodos para detectar diversos tipos de substâncias nas águas - como se exercendo aquela figura que Íris representava para ela no passado, quando orientava os projetos no clube de ciências na antiga Aula Evangélica.

Cris revela que desde pequena a área da ciência lhe despertou interesse, incentivada pelo pai, Nestor Jost. Gostava de ficar no pátio, mexendo e observando as coisas, além de ler muito. Dessa forma, ao entrar para o clube de ciências na 3ª série – permanecendo até a 6ª série - sentiu aflorar ainda mais o gosto pela área. “Fazíamos vários experimentos e projetos científicos. É como se lá atrás eu já fizesse projetos tais como faço hoje na profissão. Depois de pronto levávamos para a Feira de Ciências”, revela. 
Entre os trabalhos, lembra de ter analisado o ph das frutas. “Na época nem sabia o que era ph e hoje dou aula sobre isso”, conta aos risos. Outro projeto marcante foi realizado na 3ª série, em 1991. “Sempre tinha o costume de fazer testes em casa e certa vez fiz testes com girinos. Investiguei qual era o efeito de sabões e detergentes nos girinos. Desses testes surgiram gráficos, que passei para a cartolina colorida, e apresentei o trabalho na Feira de Ciências. Esse foi o primeiro certificado que ganhei de participação em eventos, o que hoje faz parte da rotina na minha carreira, mas aquele foi o primeiro. E foi legal porque isso surgiu de uma arte que estava fazendo, de pegar os girinos e, por fim, virou um projeto”, relembra. 

Neste período, que marcou o início de uma trajetória de paixão e dedicação às ciências, Íris teve um papel fundamental na carreira de Cris. “Era uma incentivadora. Considerava ela uma grande cientista. Era interessada em mostrar as coisas pra gente, era muito agradável, muito querida e fazia isso de uma forma bem natural. Às vezes a gente saía com a turma e ia até outro clube de ciências de outra escola do município, para ter acesso a outras ideias. Basicamente, ela não media esforços para nos proporcionar essas experiências e colocar em prática as ideias”, frisa. 

Paixão que virou carreira

Cris estudou na Aula Evangélica até a 8ª série, cursando o ensino médio no Colégio Mauá, período em que manteve o interesse na área. “Meu contato com a ciência vem muito do esforço de professores, mas também do meu pai e da minha mãe [Larea Jost], para que eu pudesse estudar em escolas particulares e ter acesso a materiais e estruturas tão boas como dos laboratórios de física e química”, pondera. 

No primeiro ano passou a se interessar por Farmácia Industrial, optando mais tarde pela Química Industrial. Ao ingressar na Universidade Federal de Santa Maria, em 2000, teve contato, novamente, com professores fantásticos e decidiu que queria ser professora. Foi em busca de qualificação para chegar ao seu objetivo: cursou mestrado e doutorado em Química Analítica, estudando por um ano em uma universidade da Alemanha. 

Hoje, além de professora do Programa de Pós-Graduação em Química, Cris é incentivadora – tal como Íris foi para ela – da inserção e permanência das mulheres nas áreas de ciências. Entre as iniciativas está engajada em um projeto de extensão “Ciência feita por mulheres para todos e por todos”, que busca estimular meninas e mulheres nas carreiras científicas, levando palestras e debates a diferentes locais de formação do conhecimento. 

Segundo a pesquisadora, por estar dentro da universidade percebe que muitas jovens e mulheres ingressam nestes cursos, mas não seguem até o final. “A maioria encontra barreiras, pois tem a questão da maternidade, de a mulher ser considerada geralmente a figura cuidadora da família, são vários fatores. Este conjunto de fatores é chamado de teto de vidro, pois aparentemente não há obstáculos, mas eles estão aí”, esclarece. Também, no período em que assumiu a coordenação dos cursos de Química, de 2016 a 2018, Cris percebeu que poucas mulheres atuavam como coordenadoras ou chefes de departamento. “Isso também acontece quando analisamos a porcentagem de mulheres que ocupam cargos mais técnico-políticos, é um numero muito pequeno. É muito importante instigar esta vontade de jovens e mulheres de entrar nestas áreas e garantir a permanência, porque se a gente tiver mais mulheres ocupando  cargos técnico-políticos conseguiremos melhorar políticas relacionadas à equidade de gênero e garantia de diversidade”, conclui.


Foto: divulgação
Íris guarda com carinho as recordações dos clubes e das feiras de ciências
Íris guarda com carinho as recordações dos clubes e das feiras de ciências

Foto: Arquivo Jornal Arauto
Íris entre os alunos em uma das feiras de ciências
Íris entre os alunos em uma das feiras de ciências

Foto: Arquivo Jornal Arauto
Feira de Ciências Regional realizada em 1992, em Vera Cruz
Feira de Ciências Regional realizada em 1992, em Vera Cruz

Foto: arquivo pessoal
Cristiane hoje é professora do Programa de Pós-Graduação em Química da UFSC
Cristiane hoje é professora do Programa de Pós-Graduação em Química da UFSC