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Lúpulo: a planta responsável pelo sabor da cerveja


Fonte: Jornal Arauto
Publicado 31/03/2021 18:20
Atualizado 31/03/2021 19:39

Geral   DIVERSIFICAÇÃO DE CULTURAS

Considerada a bebida alcoólica preferida dos brasileiros e uma das mais consumidas, a cerveja tem espaço garantido de consumo. No entanto, até que ela chegue aos consumidores é necessário todo um processo de fabricação - seja artesanal ou industrial. Um elemento é fundamental para que, ao final da produção, o resultado seja uma bebida de qualidade. Trata-se do lúpulo, uma planta trepadeira, que vive predominantemente em regiões de clima frio.

Atualmente, os Estados Unidos e a Alemanha são os maiores produtores de lúpulo. No Brasil, a cultura ainda cresce de forma tímida, tendo em vista dificuldades com o clima e o alto custo dos equipamentos para o processamento da planta. Mesmo assim, no Vale do Rio Pardo há exemplos de produtores que acreditam em uma produção de futuro, a ser consolidada na região e no país. Embora possa parecer distante, a iniciativa de produzir o lúpulo no Vale do Rio Pardo, aos poucos, vai dando mostras de que com o avanço da tecnologia e apoio de empresas com capital financeiro para investir, é possível produzir em significativa escala, garantindo ao menos a produção regional do ingrediente primordial para esta bebida tão amada por grande parcela da população brasileira.

No interior de Mato Leitão, em Linha Santo Antônio, uma área com cerca de 2.500 metros quadrados chama a atenção em meio à vegetação nativa. Trata-se da plantação experimental de lúpulo de Cristiano Morsch, Luciano Morsch e da sua esposa Michele Pauli. A iniciativa ainda conta com Alex Kwiatkowski e Mariana Frey fazendo parte do projeto, que teve início em 2018.

Conforme revela o grupo, que antes de colocar em prática a ideia já fazia parte da Associação de Cervejeiros do Vale de Rio Pardo e Taquari (Cervale), o objetivo inicial era realizar um ciclo produtivo em pequena escala, de modo a verificar a viabilidade e adaptação do cultivo à região. “Tínhamos o intuito de não somente realizar a produção para uso em bebidas, mas também a disponibilidade do lúpulo para outros fins, como por exemplo seu uso medicinal, por se tratar de uma planta com características terapêuticas”, ressaltam. Desta forma, durante os últimos anos o grupo buscou, em um primeiro momento, observar a adaptação da planta, pois o cultivo do lúpulo vem de outras regiões do planeta, que possuem dias mais longos, que proporcionam maior carga diária de luz solar para o seu desenvolvimento.  O objetivo, agora, é adaptar o manejo das plantas às condições locais.

Cristiano e Alex afirmam que se deve observar que o produto aqui produzido terá características de acordo com a forma de manejo. “Por ser uma planta perene, a estabilidade do cultivo normalmente ocorre a partir do terceiro ao quinto ano.  Durante este período vai se verificando a contribuição do microclima para o desenvolvimento da cultura”, ressaltam. Ainda, outro importante ponto é que neste período deve-se avaliar o comportamento e o surgimento de pragas, doenças da planta e necessidade de reposição mineral no solo. “O lúpulo é uma planta que requer muito sol, equilíbrio dos nutrientes e boa quantidade de água disponível diariamente, além de semanas intensas de frio na estação do inverno, para sua hibernação”, relatam.  Aos poucos, os cervejeiros almejam produzir o insumo localmente com características  da região para os cervejeiros locais e demais usuários, estabelecendo produção e consumo baseados nos princípios do cultivo mais orgânico possível.

Saiba mais sobre esta planta exótica

Conforme o grupo de produtores, o lúpulo é uma planta trepadeira perene que pode chegar a 10 metros de altura no auge do seu cultivo. Ela contém substâncias como amargor, sabores e aromas distintos, importantes para a produção de cerveja.

Os produtores ainda revelam outras questões importantes sobre a planta. “O aproveitamento para uso se dá a partir da planta fêmea, através das flores que são produzidas ao longo de seu ciclo. Existem mais de 100 variedades e cada uma tem suas características próprias”, afirmam.  A planta em si pode ser cultivada a partir de sementes provenientes da fecundação das flores macho e fêmea, mas este método não é recomendado, pois as futuras plantas geradas neste processo podem ser machos, sendo inviáveis para a principal atribuição, o lúpulo. O método mais utilizado para a propagação da planta é por divisão das raízes (rizoma) ou por estaquia. Ambos são feitos através de plantas fêmeas e, neste processo, já podem ser selecionadas as matrizes mais produtivas, para que as novas mudas sejam semelhantes à essa (clones).

Adaptação é necessária para o bom desenvolvimento

Como toda novidade, a produção do lúpulo gera dúvidas e descobertas. Conforme os produtores, o plantio é realizado em um solo rico em matéria orgânica e de boa drenagem, pois a planta necessita de bastante água em seus primeiros meses de adaptação. “Por se tratar de uma planta trepadeira, é preciso uma estrutura para que os ramos possam se fixar e subir. Para isso, o principal método para a produção é em treliça, em que postes com mais de 8 metros são fixados ao solo e, entre esses, cabos de aço são presos na parte superior, formando algo similar a um varal. Ao longo desta linha de postes, as mudas são plantadas a uma distância entre 1 e 1,5 metro entre elas”, ressaltam.

Após o desenvolvimento, a planta gera flores e em alguns meses se transforma em cones, que são observados periodicamente até estarem aptos para a colheita, que é realizada manualmente. De acordo com os cultivadores, a etapa posterior é a secagem. “A secagem é feita com ventilação forçada e geralmente em temperaturas abaixo dos 40°C, até que os cones se desidratam quase 80% do seu peso e sua umidade fica em torno de 10%”, explicam.

 Para o armazenamento, o lúpulo deve ser embalado e lacrado, sendo geralmente aplicado CO2 nos sacos para a expulsão do O2 e, na sequência, sendo fechados a vácuo para evitar o contato com o O2. Por fim, é armazenado em  um ambiente predominantemente frio (5°C ou menos) para manter a sua qualidade.

Produção em larga escala

Conforme o presidente da Associação de Cervejeiros do Vale do Rio Pardo e Taquari (Cervale), Fernando Sehn, a associação é uma entidade sem fins lucrativos, fundada em 2013 com a finalidade de congregar as pessoas que produzem ou apreciam cerveja artesanal, promovendo a cultura, o conhecimento e a apreciação de bebidas fermentadas em geral. Segundo Sehn, a consolidação da produção do lúpulo na região seria fundamental para alavancar o setor cervejeiro. “Já existem diversas plantações experimentais no Rio Grande do Sul e até empresas desenvolvendo equipamentos para o beneficiamento do lúpulo”, revela.

No entanto, o presidente da associação afirma que o processo ainda está no início, e é difícil imaginar uma produção em maior escala. “Hoje as plantações na região são apenas experimentais. É difícil saber como vão se adaptar ao nosso clima, solo, relevo, índice pluviométrico, pragas. A partir dos dados coletados serão desenvolvidas variedades adaptadas à nossa região que possibilitarão uma produção em larga escala”, destaca.

 

 


Foto: Arquivo Pessoal
Em área experimental, o lúpulo ainda é colhido de forma manual pelos produtores
Em área experimental, o lúpulo ainda é colhido de forma manual pelos produtores

Foto: Arquivo Pessoal
Lúpulo é utilizado para trazer sabor a cerveja
Lúpulo é utilizado para trazer sabor a cerveja

Foto: Arquivo Pessoal
Irmãos Cristiano e Luciano Morsch na área de cultivo
Irmãos Cristiano e Luciano Morsch na área de cultivo