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Primeiro dia de aula aos 85 anos


Fonte: Jornal Arauto
Publicado 28/03/2021 15:00

Geral   MOTIVO DE ORGULHO

Aalfabetização é, sem dúvidas, um marco na vida das pessoas. Quando se é criança, juntar pequenas sílabas e ler as primeiras palavras é motivo de alegria, tanto para os pequenos, quanto para os pais.
Embora aprender a ler e escrever seja, via de regra, um acontecimento na infância, tem quem esperou uma vida inteira para realizar tal feito. Muitos, no entanto, partem desta vida sem nunca terem escrito o próprio nome.

Mas não é o caso da vale-solense Rosa Maria Robaldo. Aos 85 anos, ela teve a experiência de frequentar o primeiro dia de aula. Tardia e diferente, mas não menos importante. A senhora, sorridente e comunicativa, não precisa ir para longe. A varanda de casa, ao ar livre, transformou-se em sua sala de aula. O bisneto Robson Daniel Santos, de 24 anos, virou o seu professor.

A vontade do aprendizado já vem de anos. Entretanto, nunca teve uma oportunidade efetiva. A única coisa que aprendeu foi a escrever o próprio nome. “Comecei a trabalhar aos sete anos como babá. Aos oito era diarista. Na época eu e meus pais morávamos muito longe da escola, o que, infelizmente, impossibilitou a minha ida”, recorda.

Com o início da pandemia do coronavírus e a necessidade de isolamento, o sonho novamente floresceu. Muito religiosa, Rosa almeja poder ler os artigos religiosos que ganha na Igreja. Durante a sua vida, passou por alguns perrengues pela falta da alfabetização. E foi essa junção de coisas que a fez pedir para que seu bisneto a ensinasse.

Robson está no oitavo período de Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Maria. Lá, ele trabalhava como garçom, mas precisou voltar para casa por causa da pandemia. Como já atuou como educador em um projeto universitário, lecionando para estudantes que tinham interesse em ingressar no Ensino Superior, o estudante resolveu oferecer serviços de acompanhamento e reforço escolar para alunos dos ensinos Fundamental e Médio. “Não sou propriamente da área, mas tive contato com projetos sociais de educação popular com o método do Paulo Freire. Por conta disso, entrei neste desafio de auxiliar quem está precisando”, explica. O que o jovem não esperava era que a sua primeira aluna seria a própria bisavó.

Robson é o primeiro da família a ingressar no Ensino Superior. Para ele, essa é a mínima contribuição que poderia dar, oferecendo aulas à bisavó, ou a vovó, como carinhosamente a chama. “Ela sempre falou que uma de suas grandes tristezas foi não ter aprendido a ler e escrever devido às dificuldades da vida. Como precisou trabalhar desde cedo e vindo de família pobre, de ascendência indígena, não teve a oportunidade de estudar. Todos deveriam ter acesso igualmente à educação desde pequenos. O que ela poderia ter aprendido aos sete anos, está fazendo agora, aos 85. É um fato marcante”, salienta.

O primeiro dia de aula da Rosa foi na terça-feira, dia 23. Professor e aluna combinaram que, pelo menos uma vez ao dia, em torno de uma hora, o momento é dedicado para a aprendizagem. Para facilitar o ensino, Robson pega coisas do dia a dia e as aplica no conteúdo da aula.

A senhora completa 86 anos no dia 10 de abril. Para ela, o presente veio antecipado. “Estou começando a ler o meu próprio nome. Tem sido uma experiência maravilhosa. Meus dias estão mais alegres e eu me sinto uma pessoa mais feliz”, destaca, emocionada.

Ao olhar observador da tataraneta Sofia, de quatro anos, a idosa já forma as letras e preenche as linhas do seu caderno. Robson espera que muito em breve possa ver mais uma cadeira preenchida na classe improvisada, desta vez ocupada pela menina. “Aí teremos tataravó e tataraneta como colegas de aula”, pontua o professor, alegre.

Rosa está começando um novo capítulo de sua história. “Não vejo a hora de começar a ler tudo que é coisa. Estou realizando um sonho. Para quem quiser aprender a escrever e ler, basta ter vontade, é a melhor ferramenta”, aconselha a estudante.


Foto: Caroline Moreira/Jornal Arauto
É na varanda de casa que Rosa Maria tem as aulas com o bisneto Robson
É na varanda de casa que Rosa Maria tem as aulas com o bisneto Robson