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Em Vale do Sol, jovem comemora o tão esperado transplante de coração


Fonte: Jornal Arauto
Publicado 02/10/2020 19:00

Geral   SUPERAÇÃO

Na fila de espera. Essa é a realidade que milhões de brasileiros enfrentam diariamente. Seja na fila do mercado, parada de ônibus, no banco, por aí vai, o repertório é extenso. Muitos dizem que há fila para tudo. Mas a fileira que aqui tem evidência nada tem a ver com as outras. É a espera por um órgão. Estar em lista, como é chamado esse estágio, sinaliza que as alternativas foram esgotadas e que a expectativa de vida longa do paciente provém do transplante.

Há pouco mais de uma semana, o Ministério da Saúde divulgou o balanço sobre doação e transplantes no país no primeiro semestre, e lançou a campanha nacional de incentivo, que este ano traz o slogan “Doe órgãos. A vida precisa continuar”.

A dentista Aline Maske, de 30 anos, moradora de Vale do Sol, conta nos dedos o número de vezes que se alistou. Quatro ao todo. Numa corrida contra o tempo desde 2005, quando descobriu uma doença no coração: miocardiopatia dilatada. A enfermidade, que afeta o músculo do coração e que impede o bombeamento adequado de sangue para o corpo, revelou-se na flor da idade, aos 15 anos.

Mas para a jovem, se aproximava um gigantesco obstáculo: lutar pela própria vida. Após dias debilitada à custa da falta de ar, do cansaço e da perda de peso, fora internada com suspeita de gripe, apenas três dias após a sonhada festa de debutante. E dali as idas para o hospital passaram a ser constantes. “Depois de vários exames, o médico informou o meu problema cardíaco e declarou que a minha condição era para transplante”, lembra.

Em um mês, a vida de Aline mudou inteiramente. As salas de aula foram substituídas por alas médicas, os professores por doutores e as danças de patinação por sessões de fisioterapia. “Minha vida mudou da água para o vinho. Perdi 15 quilos em um mês e me tornei uma paciente cardíaca”, conta. Por três meses, a então adolescente viu a casa de saúde transformar-se no seu próprio lar. “Um dos dias mais felizes foi quando meus pais levaram uma televisão para o quarto, pois lá não tinha”, relata Aline.

Após meses de internação e um catálogo de cuidados e ponderações prescritos, a vale-solense regressou a uma fase normal. Fato é, que tempos depois, conquistou o sonho de viajar para o exterior e realizou um intercâmbio de 42 dias na Alemanha. Tal como uma montanha-russa, a vida da jovem percorria por altos e baixos, transcorrendo como um vagão pelos trilhos. Analogia que ela mesma expressa. “Eu sempre digo que a minha vida é como um brinquedo em um parque de diversões, de tirar o fôlego”, compara.

Ao longo de oito anos, a contar do diagnóstico da doença, Aline somou conquistas. Se formou no Ensino Médio e ingressou no curso de Odontologia na Unisc. Feitos aliados à uma vida normal. No entanto, sem aviso prévio, uma batalha se aproximava. A dentista memoriza a data até hoje: uma segunda-feira posterior ao incêndio na Boate Kiss. No dia 28 de janeiro de 2013, ela precisou passar por uma cirurgia para a implantação de um marcapasso. “Minha doença evoluiu com o tempo e meu coração ficou cada vez mais fraco, batia descompassado. O marcapasso serviu como ressincronizador e  desfibrilador, caso eu tivesse uma parada cardíaca”, explica.

No entanto, Aline também  acumulou inúmeras patologias ao longo dos anos, dentre elas, hepatite, tromboembolismo pulmonar e até um AVC. “Precisei trancar o meu curso para tratar dos problemas. Retornei para as aulas apenas em 2014, já almejando a colação de grau em 2015”, descreve.

A FILA DO CORAÇÃO

Mas como tudo na vida de Aline foi uma batalha, uns dias antes de ingressar para o último semestre, o quadro de saúde piorou. Por duas vezes, a notícia de que iria receber um coração servia de alento. Todavia, por empecilhos que a vida tem de pregar, as cirurgias não aconteceram naquele ano. “Nunca perdi a esperança. Sabia que era o transplante que ia me salvar”, destaca.

Apenas quatro anos mais tarde, um coração seria doado a Aline. Em julho de 2019, com o estado de saúde bastante crítico, ela entrou pela quarta e última vez em lista à espera do órgão. “Lembro que era por volta das 4 horas da manhã, quando um enfermeiro entrou no quarto, sem falar nada. Naquele momento constatei que seria o dia da minha cirurgia”, salienta. A data foi marcada pelo recomeço. “O coração não veio apenas para mim, mas sim para toda a minha família”, afirma emocionada.

A VIDA QUE SEGUE

Após o processo de recuperação, que, tanto ela quanto os médicos definem como extraordinariamente tranquilo, Aline tem, progressivamente, retornado a hábitos antigos, mas normais. Ela destaca que um dos novos sonhos é tornar-se atleta de ciclismo, inspirada na educadora física Liege Gautério, que participou dos Jogos Mundiais para Transplantados, em 2015. Liege é transplantada de pulmão e foi a primeira mulher brasileira a participar dos jogos. “Ela é um grande estímulo para eu querer competir, praticar esportes e levar uma vida saudável”, enfatiza.

“Dê uma chance de vida. Eu sou um exemplo de que as nossas vidas podem ser salvas”, reforça Aline. A jovem acentua a importância de declarar à família que você é um doador de órgãos. “Nós somos a comprovação que vale a pena doar. O coração recebido me permitiu que eu continuasse vivendo e batalhando pelos meus sonhos”, arremata. O coração de Aline pulsa histórias já vividas. Mas hoje, é ela quem opera com destreza as batidas do coração.

SOBRE A DOAÇÃO

Conforme o Hospital Santa Cruz, existem dois tipos de doadores: o doador vivo pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea e parte do pulmão. Parentes até quarto grau e cônjuges podem ser doadores. Não parentes, somente com autorização judicial. E o doador falecido com diagnóstico de morte encefálica, que se encontra internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou Emergência.

Segundo informações do Ministério da Saúde, de janeiro a julho deste ano, o número de transplantes foi de 9.952 mil. No mesmo período do ano passado, foram realizados 15.827 mil procedimentos. A queda pode ser observada a partir da segunda quinzena de março, quando a pandemia desencadeou no Brasil.

 


Foto Caroline Moreira/Jornal Arauto
O transplante de coração da vale-solense marcou um recomeço em sua vida
O transplante de coração da vale-solense marcou um recomeço em sua vida