Conhecida pela forte presença da criação de ovelhas, Encruzilhada do Sul, município localizado a 102 quilômetros de Santa Cruz do Sul, está passando por uma mudança no que envolve a economia da cidade. Esse processo teve início na década de 2000 com a instalação da vinícola Chandon, pioneira na implantação dos vinhedos no município, abrindo portas para a vinda de outras empresas e de investidores. Atualmente são cerca de 30 estabelecimentos rurais inseridos na vitivinicultura no município entre investimentos empresariais e de agricultores familiares.
Desses investimentos empresariais, foram pioneiros, além da Chandon, produtores locais por ela fomentados e empresas já conhecidas como a Casa Valduga, Vinhedos da Quinta, Lídio Carraro, Peterlongo e um grupo de associados da Cooperativa Agroindustrial Nova Aliança. Todas essas empresas começam a dar forma na rota dos vinhedos de Encruzilhada do Sul.
Este cenário de vinhedos, semelhante ao da Serra Gaúcha, como em Bento Gonçalves, começa a ser observado por quem passa pela BR-471 para chegar a Encruzilhada, com enormes parreirais à margem da rodovia. Além disso, o clima mais frio e o relevo das terras propiciam esse cenário exuberante. Tudo isso no Vale do Rio Pardo, a cerca de 1h30min de Santa Cruz.
A presença forte dos produtores de vinho na cidade representa uma mudança de paradigma na economia da cidade, pois até a chegada desse produto, o município era agropastoril. “A partir da descoberta dos gringos da Serra, aconteceu essa mudança com a produção de vinhos, uvas, sucos e champagne. Isso diversifica a economia e gera renda”, destacou o prefeito de Encruzilhada do Sul, Benito Fonseca Paschoal.
Outra pioneira no município foi a Casa Valduga que na época procurou um local para se instalar e adquiriu cerca de 80 hectares para a instalação de seus parreirais e hoje já ultrapassa os 100 hectares. “Lá na Serra não tem mais área para expansão e aqui, naquela época, as terras eram baratas, associadas ao clima e ao solo, foi o ideal para a empresa”, lembrou o prefeito, que na época era vereador e participou da instalação da Valduga na cidade.
A colheita da uva na região acontece de janeiro a março. A maioria das empresas faz a colheita e depois encaminha ou vende a uva para outras indústrias da Serra Gaúcha, onde ocorre todo o processo da produção de vinhos e espumantes de excelente qualidade. Ou seja, atualmente Encruzilhada do Sul produz a matéria prima, que é a uva, e terceiriza o processo para cantinas da Serra. “As vinícolas aqui já se organizam para instalar cantinas e fabricar as bebidas aqui, com isso queremos também criar uma rota turística junto aos parreirais, olivais, noz-pecã, amora preta e outras frutas visto que temos uma grande produção também de olivas”, frisou Paschoal.
Quem também acompanhou de perto o início da instalação das vinícolas no município é o secretário da Agricultura, Marco Antônio Moraes dos Santos. Ele explicou que a maioria da produção das uvas é destinada para vinhos finos e espumantes, mas produtores locais também focam na plantação de Uvas Americanas que são destinadas para vinho de mesa, suco e venda in-natura. “Anualmente são produzidas mais de quatro mil toneladas de uvas em quase 650 hectares de terra”, destacou. A produção de uvas na cidade, além de diversificar a economia, gera cerca de 300 empregos durante a colheita e a poda dos pés dos parreirais.
Marco agrega as condições do clima e do solo para uma melhor qualidade da uva visto que, durante as temperaturas são quentes ao longo do dia e a noite ocorre um declínio acentuado das temperaturas formando as chamadas amplitudes térmicas. “Isso faz com que a uva tenha maior concentração de açúcar. As condições do relevo, que favorecem a mecanização dos parreirais, a exposição solar e a presença de boas correntes de ventos faz com que tenhamos uma menor pressão de doenças fúngicas”.
Com cerca de 20 hectares de terra destinados para o cultivo de uvas, o produtor Olívio Maran, de 62 anos, é um exemplo dessa disputa pela produção, pois a cada ano várias empresas estão concorrendo para adquirir a uva que é destaque em qualidade.
Olívio, que nasceu em Bento Gonçalves, convive desde a infância com as plantações de uvas ao seu redor. Sua família cultivava a fruta em pequena escala, mas a paixão pela uva fez com que Olívio tivesse sua própria produção anos depois. Ele disse que deixou a Serra, atual polo dos vinhos e espumantes, pois enxergou em Encruzilhada como o futuro da produção. “Faz 21 anos que morro aqui em Encruzilhada e escolhi essa terra porque aqui é o futuro da uva”, sublinhou.
O produtor teve uma experiência de 20 anos trabalhando na Casa Valduga, sendo 15 na Serra Gaúcha e cinco na filial de Encruzilhada. “Eu aprendi muita coisa lá dentro, desde a qualidade da uva, qual a melhor variedade para produzir na nossa região até técnicas para a qualidade do vinho e da espumante”, destacou Olívio.
O jovem produtor, Cássio Rassier da Silva, de 35 anos, contou que produz o vinho base em Encruzilhada do Sul e o restante do processo para a espumante ocorre na Serra, mas que já planeja realizar todo esse processo com uma cantina em sua propriedade. “A tomada de espuma é feita na Serra, pois aqui não vale a pena ainda, pois não se viabiliza. Têm dois métodos de fazer esse processo: o tradicional que é o champenoise a base de fermentação dentro da garrafa e que demora mais de um ano, ou, pela tomada de espuma pelo método charmat, que acarreta em um produto mais jovem e que fica pronto entre três e cinco meses”. Explicou.
Ele iniciou o cultivo da uva em meados dos anos 2000 junto com seu pai e tio, e contaram com a ajuda de Olívio para iniciar o projeto. Cássio relembrou que suas mudas de uva vieram no mesmo lote que da Casa Valduga e do Olívio. “As mudas vieram da França. Foram pés de Cabernet Sauvignon, Pinot noir, Chardonnay, que são uvas bases para o espumante e que se adaptaram muito bem à nossa região”.
Para Cássio, Encruzilhada do Sul já é a nova rota dos vinhedos, pois todas as vinícolas da Serra Gaúcha procuram terras e lugares para começar o cultivo das uvas no município. “Aqui tem mais diversidade na produção de uva do que na Serra. Nosso Pinot noir e Chardonnay são variedades que aqui produzem melhor que lá, como a Malbec também”, finalizou.