Desde muito jovem, o vera-cruzense Ilvo Flemming, de 39 anos, cultiva o apreço por guardar artefatos curiosos. De certa forma, o hobby pode ter se iniciado com a influência do pai, Rainvaldo Flemming, que durante as jornadas de trabalho na roça sempre levava para casa artefatos encontrados nas lavouras. Entre os objetos, a grande maioria se destacava por ser de origem indígena, como pontas de flecha, lanças, pedras de boleadeiras, entre outros.
Na propriedade onde moravam seus antepassados, atualmente Ilvo vive com a mãe, Elisa, a esposa Suzana e o filho Nicolas Miguel Flemming, que já começa a seguir os passos do pai, demonstrando interesse e curiosidade pelos itens encontrados. Conforme o agricultor, diante do grande número de objetos guardados, o seu objetivo era construir um espaço para deixar à mostra tudo o que foi achado na propriedade. “Na época do meu pai, eles sempre guardavam o que achavam. No entanto, acredito que era mais por curiosidade mesmo, não se tinha esse interesse muito grande em catalogar e expor em um espaço. Eu sempre tinha um desejo de pegar tudo o que havíamos encontrado durante os anos e colocar em um lugar em que a história pudesse ser vista. Antes, esses objetos ficavam todos guardados no galpão”, salienta.
Segundo Ilvo, diante dos inúmeros achados na propriedade, o seu interesse em descobrir mais sobre quem habitava as terras da região no passado motivou uma busca por mais informações sobre a história.
Dessa forma, após alguns contatos feitos com especialistas, o agricultor teve conhecimento de que alguns objetos que havia encontrado poderiam ser de até mais de 500 anos, como as pontas de flechas e restos de cerâmica. Em alguns deles, é possível observar detalhes esculpidos provavelmente pelas tribos indígenas. “Alguns artefatos apresentam ranhuras que devem ter sido feitas com as próprias unhas dos indígenas. O interessante é que os objetos encontrados por aqui sempre são feitos com o mesmo tipo de pedra, talvez uma característica particular da tribo que vivia pela região”, destaca.
Ilvo revela que o atual acervo poderia ser ainda maior, pois com o passar dos anos, a maioria das peças foi sendo repassada para museus e colecionadores, fazendo com que muitas não ficassem na propriedade. Segundo o vera-cruzense, como naquele período seus pais não tinham tanto interesse por expor os objetos, acharam melhor que os levassem para um lugar destinado especificamente para isso. “A coleção poderia ser muito maior, mas mesmo assim, já não tenho quase mais espaço aqui em casa. De vez em quando a gente acaba encontrando alguns objetos e aumenta o número. Me sinto muito realizado em poder ter a história na minha casa”, frisa.
Localizada em Alto Ferraz, o mini museu conta com objetos que vão desde artefatos indígenas até exemplares de livros e ferramentas de antepassados alemães. Segundo Ilvo, caso alguém queira visitar o espaço, pode se sentir à vontade para conhecer o local. “Criei esse lugar para que a história de quem habitou a nossa região não ficasse guardada em gavetas e armários, pegando pó sem que ninguém pudesse ver. Então se alguém quiser vir olhar, pode se sentir à vontade, pois é algo muito bonito poder ver esses objetos e ferramentas que há tantos anos passaram pelas mãos de quem aqui já habitou”, salienta.
Como todo bom colecionador, Ilvo não se limita apenas em reunir objetos indígenas encontrados nas lavouras da propriedade. Ferramentas, livros, quadros, entre outros itens podem ser vistos nas paredes e estantes do espaço criado pelo agricultor vera-cruzense. Conforme Ilvo, a maioria dos materiais de origem alemã expostos no mini museu vem dos seus antepassados, que sempre guardaram tudo o que tinham. Assim, o vera-cruzense relata que decidiu colocar no espaço também estes objetos, para valorizar a história e legado de seus familiares.
Entre os objetos que chamam a atenção, se destaca um caderno antigo, que na verdade se trata de uma lousa de pedra, que ainda continha um lápis de pedra, pois antigamente ter caderno de papel era raríssimo. A lousa feita com pedra ardósia era utilizada como suporte para o aluno escrever com lápis de pedra, decorar e então apagar com um pano úmido. Para Ilvo, a lousa é um retrato fiel de como o mundo mudou rapidamente, sendo possível observar como eram difíceis as coisas naquele período, em que o acesso à educação era algo muito distante da maioria das pessoas. “Essa lousa minha mãe utilizava quando ia pra escola. É muito interessante imaginar como as coisas aconteciam naquele período. Hoje em dia quase todo mundo tem o seu caderno e material para estudar”, destaca o agricultor.
Em meio aos diversos itens do acervo, o vera-cruzense ainda guarda um antigo calendário utilizado para anotações do dia a dia. No entanto, o que chama a atenção é que ele está totalmente escrito em alemão, geralmente estando as páginas ocupadas com anotações de receitas e informações de balanço patrimonial. Assim, durante todos os dias, era possível que as antigas famílias pudessem deixar tudo o que faziam anotado, para que em caso de se esquecerem, ser possível consultar as anotações.
Além dos arquivos pessoais, o colecionador também conta com livros e cadernos que relatavam o funcionamento da localidade de Ferraz antigamente, onde eram anotados todos os nascimentos e mortes que ocorriam na vila de origem alemã. Além do nome da pessoa que havia nascido ou falecido, também eram anotados o nome dos pais e demais familiares.
Ainda, o colecionador conta que nesses livros de anotações eram registrados fatos marcantes que ocorriam na localidade, como por exemplo, o período em que era construída uma igreja, sendo destacadas algumas funções que os moradores de Ferraz faziam na época, como a de quem trouxe o sino para a comunidade local. Naquele período, como ainda não se tinha a existência de carros ou outro tipo de veículo, consta que o sino foi trazido até Ferraz por uma carroça e dois bois, levando algum tempo até que chegasse ao seu destino. Um diário que ajuda a entender o passado e a valorizar o presente.
Com um espaço em que diversos itens chamam a atenção pelo design diferente, Ilvo ainda cita uma bíblia com escrita gótica, que era usada na Europa ocidental desde 1150 até 1500. Este estilo caligráfico e tipográfico continuou a ser utilizado na língua dinamarquesa até 1875 e em países de língua alemã até ao século XX, sendo posteriormente deixado de lado devido à sua complexidade.
A descoberta, conforme o vera-cruzense, ocorreu após a visita de um pastor, que logo se certificou que a bíblia tinha sido diagramada com escrita gótica. “Quando esse pastor chegou aqui e viu a bíblia, logo lhe chamou a atenção, pois até mesmo na Alemanha esse tipo de escrita já havia sido deixada de lado”, frisa o vera-cruzense. Dessa forma, com um acervo que reúne diversos materiais da época dos bisavós, avós e pais, o agricultor decidiu guardar e preservar a história de sua família e de muitas outras da localidade, fazendo com que os registros não ficassem apenas em gavetas e armários, que com o tempo se deteriorariam e perderiam seu valor.
Não é somente de registros escritos que o acervo do morador de Linha Ferraz é composto. O mini museu ainda conta com diversas ferramentas antigas que eram utilizadas nos dias de trabalho na lavoura, como cangas de boi, serrotes, uma espécie de arado pra lavrar terra, entre outros, como um pulverizador para assoprar dentro do ninho de formigas chama atenção na parede. Ainda, o acervo conta com rádios, relógios, garrafas, guarda-chuvas que eram utilizados pelos antepassados de Ilvo.
Além de colecionar a história, o agricultor ainda conta com outro hobby: ser marceneiro. Utilizando madeiras mortas, ele realiza trabalhos considerados rústicos nas horas vagas. Assim como no mini museu, grande parte dos cômodos da casa do vera-cruzense são formados por móveis feitos em casa, motivo que orgulha Ilvo, que sempre gostou de trabalhar com a produção de móveis. “É um passatempo pra mim, muitas vezes ficava trabalhando em mesas, bancos, bancadas, suportes, pois era algo que me fazia bem”, finaliza o agricultor.