Ela não esmorece à desafios. É inquieta, foge de acomodações. Linha dura quando o assunto é criminalidade, mas humana para entender a importância de suas atribuições. A major Ana Maria Hermes é e foi assim ao longo de toda sua trajetória na segurança pública, que já ultrapassa 20 anos, seja na Polícia Civil ou na Brigada Militar. E agora veio o maior desafio: assumir o comando do Presídio Central de Porto Alegre. Natural de Venâncio Aires, com família de Rio Pardo, coube a ela ser a primeira mulher a comandar uma das principais casas prisionais do Rio Grande do Sul. A nomeação ocorreu em julho e decorre de uma carreira de grande serviços prestados ao Estado.
Tudo começou na Polícia Civil. De 2001 a 2002 trabalhou na Delegacia de Polícia de Lajeado. De 2003 a 2005, foi a vez de abrilhantar uma das principais delegacias do Estado, a antiga Defrec, hoje Draco de Santa Cruz do Sul, referência estadual no combate ao crime organizado. Em 2005, decidiu abraçar um novo desafio: deixou a Polícia Civil e foi para a Brigada Militar. “Digo sempre que aprendi muito com os colegas de Santa Cruz e Lajeado. Fui, mas deixei o coração. Ingressei na Brigada e em 2010 servi no CRPO Vale do Rio Pardo, o que só me trouxe experiência, ensinamentos”, pontua, ainda ressaltando os anos em que esteve a frente na cúpula do 35º Batalhão de Polícia Militar, com sede em Cachoeira do Sul.
Formada no Curso de Especialização em Operações de Choque - apenas ela e outras duas policiais gaúchas têm essa formação-, integrou equipes que atuaram na segurança da Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas do Rio, em 2016. Mas foi no Presídio Central, também conhecido como Cadeia Pública, que teve experiências que a fundamentaram para o cargo que passou a ocupar. Chefiou a sala de visitas, geriu projetos da casa e de recursos humanos. Até que, em 2020, assumiu a subdireção. Um pulo para o que ainda estava por vir. “Procuro seguir todos os ensinamentos que o antigo diretor, Tenente coronel Carlos Wagner da Silva Vieira, passou ao longo dos dias que trilhamos juntos: o árduo caminho de manter a ordem no estabelecimento, o tratamento penal de garantir a segurança de todos os partícipes deste grande complexo", diz.
Como primeira mulher a comandar o Presídio Central em seus 58 anos de história, a major Ana Maria diz estar ciente do desafio e celebra o fato da representatividade feminina ser cada vez mais valorizada dentro da corporação. “A minha função é técnica, não deveria fazer diferença ter um homem ou uma mulher desempenhando, porque é um a função prevista em lei e se pauta pelos princípios da administração pública. Porém, não posso ignorar que com certeza é um desafio a mais para as mulheres. Com certeza vou influenciar as que virão depois de mim, assim como ao estar aqui hoje eu sou um pouquinho de cada uma das mulheres que me precederam na instituição, que tiveram a dificuldade de ingressar nas primeiras turmas que começaram lá em 1985 e todas que estão comigo aqui. Levo um pouquinho de cada uma delas”, destaca.
E tanto no presente quanto no futuro, ela espera ser cada vez mais inspiração. “É um recado, não apenas meu, mas de tantas outras mulheres na BM que vão de destacando em todas funções que desempenham, vão fortalecendo um entendimento que não é o nosso gênero que define a nossa profissão, condição social, a nossa escolha. Quero também registar que eu acredito muito, tenho a convicção de que não há hierarquia entre as funções que a mulher desempenha na sociedade, não tem uma importância a mais eu ser a diretora, ter uma médica, ter uma juíza. Todas as funções tem a mesma importância ao meu ver”, fala.
Casada com um tenente-coronel do Corpo de Bombeiros e mãe de dois filhos, de 23 e 13 anos, ela fala com prazer ao ser questionada sobre sua rotina. Passa a quem ouve a sensação de que realmente ama o que faz, e que faz com afinco. "Preciso manter o espírito equilibrado, ter as condições de dar a minha sensatez e coerência. O expediente é manhã e tarde, contudo os nossos desafios e as nossas funções são 24 horas, sete dias por semana. É é por opção, não é sacrifício. A função exige”, frisa.
E são muitos os projetos. O principal deles: fazer com que o Central não seja apenas um encarcerado de pessoas presas, mas que possa dar oportunidade para todos aqueles que lá chegarem saírem com alguma coisa nas mãos, seja uma formação, uma profissão. Que tenham a possibilidade de construir uma nova história a partir da passagem pelo cárcere. “Com certeza em que pese as dificuldades do sistema prisional brasileiro, sistema gaúcho e em especial da Cadeia Pública, somos muito criticados em vias de regras, mas com certeza de alguma forma influenciamos positivamente a vida das pessoas que passam por aqui”, acredita.
E uma história em especial, denota a importância desse tipo de cuidado. No ano de 2019, a última Feira do Livro realizada presencial antes da pandemia em Porto Alegre, um preso do Central participou de um concurso de redação e foi premiado. “Lembro que ele foi dar uma entrevista e durante a entrevista ele se identificou com o local, na Praça da Alfândega. Era um menino órfão que cresceu naquela praça e disse que veio conhecer o valor do sim e do não no sistema prisional. São histórias como esta que me motivam a buscar um formação para os nossos presos, para quando saírem terem a oportunidade de construir uma nova história”, finaliza.