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Médica de Santa Cruz receberá o rim da própria mãe neste sábado


Publicado 27/08/2021 20:00

Geral   RECOMEÇO

O dia mais importante da vida de Ana Leonora Cobalchini de Bortoli também será o mais emocionante da vida da mãe Fabiane Cobalchini de Bortoli. A jovem de 27 anos, que é médica em Santa Cruz do Sul, receberá neste sábado (27) um rim da própria mãe. Passará a ter em seu corpo um pedacinho da vida de quem lhe colocou no mundo. O gesto de solidariedade, amor, bondade e altruísmo - tão típico de uma boa mãe -  será realizado após três anos de insuficiência renal crônica, ocasionada por conta da diabetes, doença que acompanha Ana desde os seis anos. 

Desde 2019, a jovem moradora do centro de Santa Cruz do Sul passou por diálise e hemodiálise enquanto aguardava o dia em que lhe chamariam para o transplante. Isso aconteceu quatro vezes, mas em nenhuma houve compatibilidade. Em meio a tantas dores e problemas ocasionados, nos bastidores estava sua mãe Fabiane, que desde que Ana entrou para a fila do transplante se disponibilizou como doadora. A recomendação dos médicos, entretanto, é que o rim seja doado de uma pessoa em óbito, a fim de que a lista de pessoas com apenas um rim não aumente. 

Com as tentativas frustradas de transplante e com a piora dos sintomas, Fabiane voltou com o assunto de ajudar a própria filha. Foi nesse momento que todas as orações da família se concentraram para a compatibilidade, pois embora sejam mãe e filha o resultado poderia ser negativo. Para alegria e alívio das duas e de todos que a amam, os exames apontaram que o procedimento poderia sim ocorrer. E o dia tão esperado, que ficará eternizado, será neste 28 de agosto de 2021. 

Três anos de muita luta

Em 2019, quando Ana descobriu as sequelas nos rins, ela iniciou um doloroso processo. Por um ano fez a diálise peritoneal, técnica de substituição da função renal alternativa à hemodiálise. Quatro vezes por dia, todos os dias, ela precisava pausar a rotina para realizar o procedimento. Foram meses complicados, em que a família precisou vir da cidade natal Fortaleza dos Valos para cuidar de Ana, a fim de ajudá-la com a rotina de cuidados, estudo e sintomas ruins, como uma quase perda da visão. "Depois de um ano tive uma infecção, fiquei bem mal e precisei internar. Foi quando mudamos para hemodiálise. Eu estava nos dois últimos anos da faculdade e eu tinha só estágios. Então, foi a única vez que eu pensei em desistir", relata a jovem, que chegou a levar os aparelhos da diálise para aplicar durante o trabalho.

Por isso, tudo que vão viver nos próximos dias significa muito. "Eu estou muito feliz, porque é uma virada de chave para nós. Fico receosa por ela, porque obviamente eu não queria que minha mãe passasse por isso. Mas eu sei que para ela é uma conquista. Eu sinto um pouco de tudo. Eu sinto que eu consegui vencer mais uma batalha. Esperamos o doador morto por tanto tempo e com a pandemia dificultou, mas minha mãe desde o início falava que tinha certeza que ela era compatível. E intuição de mãe não falha! Tudo foi no tempo de Deus. Talvez não foi antes por algum motivo. Eu queria que as pessoas aprendessem como eu aprendi a levar a vida com um pouco mais de leveza. Os problemas vão surgir e é óbvio que tivemos muitos momentos ruins, mas tudo diz respeito a como tu encara e como irá se reerguer. Como médica, eu vejo que tudo que eu passei como paciente me ajudou muito. A entender que meus pacientes têm problemas e a escutar melhor", destaca. 

Ana e Fabiane já estão internadas para o transplante. O pai Luiz Carlos e o irmão Luiz Artur serão os responsáveis pelo acompanhamento no hospital e por todo o apoio. Segundo Luiz Carlos, todos os momentos até aqui foram vividos intensamente. "Sempre foi uma luta, mas nunca achamos que não dava para fazer. É um choque você descobrir que precisa fazer hemodiálise porque seu rim não funciona mais. Começamos naquela rotina alucinante, mas eu nunca deixei de sonhar com esse dia. Esse gesto da Fabiane é de uma grandeza. Isso prova que o amor de mãe não tem limites", diz. E para Fabiane, essa é a realização de um sonho. "Só tenho a agradecer a Deus por me dar essa graça de poder doar o rim pra ela, ser compatível. Se tem algo ruim com o filho a gente também vai ficar ruim. Se eles estão bem também ficamos bem. Estou muito feliz de poder dar uma vida mais digna pra ela", ressalta.

Os pais de Ana poderão se alegrar, a partir do transplante, com a vida que filha poderá voltar a ter. Afinal, os planos da jovem para o futuro são muitos. "Eu sempre sonhei muito em viajar, ser independente, ter minhas coisas, e querendo ou não tudo isso me privava. Eu estava ligada a uma máquina três vezes por semana. Agora eu quero trabalhar o máximo que eu puder, conseguir minha independência financeira e poder fazer tudo que eu quero. Tenho as limitações, porque a diabetes vai continuar. Mas dentro de tudo que eu passei eu penso que isso é o menor dos problemas. Eu vou conseguir urinar normalmente, que para as pessoas é tão comum, vou poder tomar uma água. Quem dá valor para tomar água hoje? Eu sou imensamente mais feliz agora do que antes, porque eu redirecionei minhas prioridades. Eu aprendi o que importa de verdade pra mim. É óbvio que ter um carro, uma casa, viajar, ter dinheiro é ótimo. Mas tu ter uma família que te apoia em todos os momentos, e faz o que a mãe está fazendo por mim, é o que vale", conclui. 

De acordo com Ana, a gratidão que sente por sua mãe, sua família e seus amigos, também se estende a tantas pessoas que se tornaram especiais ao longo da trajetória. "Conhecemos pessoas muito boas que ajudaram, compreenderam. Às vezes temos amigos de uma vida inteira que não fazem o que essas pessoas que eu conheci há pouco tempo fizeram. Agradeço as pessoas da Uni-Rim Centro Médico. Não é fácil estar lá, ainda mais sendo jovem. Os técnicos viraram meus amigos, deixavam o ambiente mais acolhedor. Criei laços que jamais vou esquecer", salienta. 

Doação de órgãos

Com tudo que passaram, a família percebeu o quanto a doação de órgãos é importante e por isso todos se declararam doadores. "Queremos levar essa causa adiante. Eu quero que o máximo de pessoas possível doe seus órgãos, porque a diferença que faz na vida de uma pessoa é imensurável. Ninguém imagina, mas quero que as pessoas tentem entender pelo menos um pouco. Todo mundo merece uma segunda, terceira chance. Tomara que possamos tocar algumas pessoas com a nossa história. E é tão simples. É só falar para tua família que você quer ser doador de órgãos. Uma pessoa pode salvar oito pessoas. Só falta mais diálogo e esclarecimentos. Na hora do luto é difícil, mas se as pessoas falarem antes, com certeza a vontade será respeitada. O amor cura. Se tu tem amor, não precisa mais nada", aconselha. 


Foto: Luiza Adorna/Portal Arauto
No abraço de mãe e filha, muito amor e gratidão
No abraço de mãe e filha, muito amor e gratidão

Foto: Luiza Adorna/Portal Arauto
Ana com seus pais e irmão, um dia antes de irem para Porto Alegre
Ana com seus pais e irmão, um dia antes de irem para Porto Alegre