Há poucos dias, ao entrar ao vivo em uma rede de televisão, uma repórter brasileira fez um gesto que possivelmente todos estejam ansiosos para fazer: a moça retirou a máscara e contextualizou que, a partir daquele momento, todos os moradores do país em que ela estava não precisariam mais utilizar o acessório, já que a marca de 35% da população vacinada havia sido alcançada. No Brasil, quase 20% da população está imunizada com a primeira dose, mas apenas cerca de 10% recebeu a segunda aplicação. Porém, no Rio Grande do Sul a realidade é um pouco diferente: 25% dos gaúchos tem o esquema vacinal completo. O RS ocupa a segunda posição no ranking de estados, liderado pelo Mato Grosso do Sul. A reportagem do Grupo Arauto foi atrás de pessoas com ligação com a região, mas que hoje moram em outros países. Nos Estados Unidos, no Canadá e no México os relatos são de maior atenção, em relação ao Brasil, com o esquema vacinal tanto de nativos como de estrangeiros.
Ana Paula Grasel, de 26 anos, está há dois anos e 9 meses nos Estados Unidos. Foi para o País através de um programa de Au Pair - semelhante a babá, viaja com um visto para ficar na casa de uma família norte-americana que a aceite como moradora permanente da residência - e atualmente é estudante. Por cuidar de crianças, a jovem conta que já foi vacinada. “Eu não sei elencar o que foi pior, o medo ou a saudade. Aqui chegou antes, com a guerra do papel higiênico, e no Brasil ainda não tinha estourado e eu ficava aqui mandando todo mundo no Brasil ficar em casa e comprar álcool em gel e máscara. Eu já tomei a vacina, e isso é uma dor que eu acho que todo mundo que tá fora sente, porque a gente não consegue se sentir feliz 100%. Por mais que eu estivesse muito feliz por estar vacinada, a minha família não viveu isso comigo. Atualmente aqui não sou mais obrigada a usar máscara, e agora, no 15 de junho - dia da independência - vão estar liberados os bares, sem distanciamento. Aqui tinha várias opções de vacina. Podia escolher onde queria tomar e qual delas. Está muito fácil e foi muito tranquilo, todos os grupos já foram liberados, inclusive para turistas. Eu fui um dos primeiros grupos a vacinar depois dos da linha de frente, porque eu cuido de crianças”, explica a jovem que recebeu a vacina da Johnson & Johnson, no dia 3 de março.
Ela conta também que o mais difícil no período da pandemia talvez tenha sido o isolamento, já que quando a saudade de casa aperta a estudante busca o carinho dos amigos. “Vim para os Estados Unidos para ficar na casa de uma família para ajudar a cuidar das crianças, ter a real experiência de como é viver com uma família norte-americana no dia a dia e ter a oportunidade de estudar. Eu estou em uma família maravilhosa e fiz amigos brasileiros aqui, isso me deixa próxima do Brasil e foi muito difícil ficar em isolamento só com a família. Aqui, quando a saudade bate, a gente inventa alguma coisa, mas eu estava em isolamento, a saudade foi o pior de tudo e o medo, sem possibilidade de voltar”, conta.
A jovem diz que é difícil se sentir segura em meio a tantas incertezas. No entanto, segundo ela, nos Estados Unidos a preocupação das autoridades parece ser maior. “Eu acho que neste cenário de pandemia, é muito difícil dizer que eu me senti segura, é um medo constante. Não nego, sem dúvida, se eu pudesse escolher um país para a minha família estar durante a pandemia, eu gostaria que todos estivessem aqui. Aqui vemos as autoridades preocupadas em achar soluções. Uma preocupação com a economia obviamente, mas muito mais com a vida. Aqui as coisas ficaram fechadas por muito mais tempo, fizemos um isolamento muito mais rígido lá no início. Com certeza me senti mais segura do que se eu estivesse no Brasil”, frisa.
Ana conta que a melhor sensação para ela talvez seja ver a vida voltando à normalidade. “É uma sensação muito boa, mas me deixa triste ver que no Brasil isso está longe de ser uma realidade. Quem já tem vacina não precisa mais usar máscara. Ao ar livre ninguém precisa, mas hoje ainda há lugares fechados, como academia, onde tem que usar e a partir de junho não precisa mais”, fala.
Morando fora do Brasil desde 2014, Fernando Paz, de 29 anos, mata a saudade da família, de Vera Cruz, com auxílio da tecnologia. “Sempre mantive contato com meus pais e minhas irmãs, por vídeo chamada, mensagem, da maneira que for. No entanto, não tive oportunidade de visitar o Brasil desde que começou a pandemia, até porque as notícias do Brasil em relação a distanciamento e isolamento nunca foram positivas. Então, sempre quis proteger minha família disso e esperamos visitar assim que tiver tudo acalmado”, conta.
Paz mora em Guadalajara desde 2016. Inicialmente foi para o México para fazer um intercâmbio corporativo, voltou para o Brasil em 2015, não conseguiu colocação no mercado de trabalho e então regressou ao país vizinho dos Estados Unidos. Em 2019 ele se tornou pai. “Estou longe da família, de Vera Cruz faz 5 anos. No fim de 2019 me tornei pai e tenho me ocupado bastante com isso. De certa forma a pandemia e o home office me fizeram estar mais próximo do meu filho, então por este lado foi positivo. Já me acostumei a trabalhar de casa e se tivesse que escolher, hoje, seguiria trabalhando em casa ao invés de ir para a empresa”, frisa.
Fernando conta que apesar da vacinação contra a Covid-19 estar mais adiantada no país, ele deve rumar aos Estados Unidos para se imunizar. “Eu ainda não me vacinei, mas já estou planejando viajar aos Estados Unidos para me vacinar. Aqui a vacinação agora está para mulheres de 18 a 50 anos. Para mim ainda não tem expectativa. Como a população é menor que a do Brasil aparenta estar mais avançado do que no Brasil”, ressalta.
Ele confirma que se sentiu seguro durante a pandemia, mesmo estando em um país que não é o de origem e segue sentindo. “Honestamente a maioria da população aqui respeita as regras e as bandeiras. Quando estávamos em bandeira vermelha/amarela e tentamos ir no mercado não deixaram entrar com o bebê. Hoje em dia já estamos de bandeira verde. Bares e restaurantes estão abertos e algumas baladas reabrindo”, explica.
Apesar de ainda ser obrigatório, o uso de máscara, tem sido flexibilizado em alguns locais. “Há algumas semanas vejo que o pessoal quer voltar ao normal e está tentando deixar de usar por conta própria. Todo lugar que vou há checagem de temperatura e álcool. É normal já. Percebe-se a flexibilização das autoridades, pois além da reabertura de estabelecimentos para entretenimento também pude reparar que a maioria das escolas voltaram às aulas presenciais. A creche do meu filho também está aberta normalmente. Durante um pequeno período, quando estivemos com bandeira vermelha, a creche fechou mas neste momento tudo já voltou à normalidade”, comenta.
Sobre o período de quarentena, Fernando Paz justifica que não sentiu tanto, por conta do nascimento do filho, mas lamentou não poder levar o menino à rua. “Eu acho que no meu caso não senti tanto a quarentena porque foi justamente quando nasceu meu filho, então eu e minha esposa nos mantivemos muito ocupados com isso. Infelizmente sem poder levar ele para muitas atividades fora de casa”, completa.
Com a ideia de fazer um intercâmbio de um ano, em 2010, Cíntia Antunes foi para Austrália. Hoje aos 39 anos, a vera-cruzense conta que se apaixonou pelo país e pela cultura. Atualmente é cidadã australiana, casada e mãe de dois filhos. “Assim que a pandemia começou, as fronteiras australianas foram fechadas, sem previsão de abertura, o que nos deixa na incerteza de quando vamos poder viajar para o Brasil novamente. Podemos até sair daqui, mas pra retornar é bem difícil, porque o governo não deixa ninguém entrar“, explica.
A tecnologia foi também uma aliada do governo australiano para rastrear os casos de coronavírus. “O governo tomou todas as atitudes para incentivar a comunidade a aderir ao distanciamento social. Colocaram QR Code da Secretaria de Saúde em todos os estabelecimentos, para saber onde as pessoas passavam caso estivessem com Covid-19 e poder rastrear as demais que também estiveram no mesmo lugar que a pessoa infectada. No Brasil não vi nenhuma atitude drástica sendo tomada, o que me deixou com o coração na mão por saber que meus pais, familiares e amigos não estão seguros como nós”, frisa.
Cíntia conta que ainda não foi vacinada e que a imunização no país está atrasada em relação a outros países. “Agora estão na fase de vacinar pessoas com 50 anos de idade. O governo manteve a população praticamente dentro de uma bolha e por isso não está muito agilizado em termos de vacinação. A prioridade deles é ter certeza de que ninguém entra no país com o vírus e, dessa forma, que não se espalhe na comunidade australiana”, comenta.
Mesmo com saudade da família, que vive em Vera Cruz, Cíntia tem receio de sair do país. “Estive no Brasil no final de 2019 e desde então não fui mais. Tenho um pouco de receio de ir porque não sei se conseguiremos voltar. O preço da passagem está absurdamente caro e é preciso pedir autorização de entrada para o governo. Tenho amigos aqui que foram visitar a família assim que a pandemia começou e não puderam retornar por mais de um ano. Só conseguiram retornar recentemente, depois de muitas tentativas e vários pedidos negados”, destaca.
Assim como no Brasil, o regime tem governadores, e mesmo que opositores ao regime nacional, isso não é empecilho para atuarem juntos. “Desde o início me senti muito segura e grata por estar aqui durante esta pandemia. Nosso governador é de partido oposto ao Primeiro Ministro. Isso nunca foi um empecilho. Eles sempre trabalharam juntos para o bem da população. Só precisamos usar a máscara de forma obrigatória em dois episódios, em que pessoas que estavam nos hwotéis de quarentena testaram positivo. Mesmo essas pessoas não saindo e a transmissão não ocorrendo, nós usamos a máscara, para evitar o possível contágio. Um homem pagou uma multa de 20 mil dólares por se negar a usar a máscara em local público. Saber que as leis são respeitadas nos deixa seguros”, conta.
Cíntia finaliza refletindo sobre atitude. “Quando a pandemia começou tivemos lockdown. Somente mercados, farmácias e postos de gasolina ficaram abertos. Foram mais de 10 meses sem casos de Covid-19. As festas estão acontecendo, com público de até 2 mil pessoas em um mesmo ambiente. Acredito que essa pandemia está longe de acabar, mas se as pessoas se conscientizarem de que, além da gente, precisamos nos preocupar com o próximo, tudo vai acabar mais rápido”, conclui.