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Santa Cruz do Sul já registra mais de 30 casos de estupro tentado e consumado em 2020


Publicado 23/10/2020 20:00
Atualizado 23/10/2020 22:24

Polícia   POLÍCIA CIVIL

De janeiro a outubro de 2020, Santa Cruz do Sul já registrou 34 casos de estupros tentados e consumados no município. Mais do que um dado, o número representa as vidas afetadas por um crime que continua a fazer vítimas em todos os lugares do mundo. Pessoas que, mesmo com as memórias ruins, precisam seguir suas trajetórias, enfrentando preconceitos, pesadelos e inseguranças. Mulheres, meninas e meninos afetados pela repugnante atitude do ser humano de pensar que pode decidir no lugar do outro para satisfazer suas próprias vontades.

Titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) e da Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA), a delegada Lisandra de Castro de Carvalho acompanha os casos atentamente. Do total de casos neste ano, 18 foram estupros de vulneráveis – menores de 14 anos –, quatro foram de vítimas entre 14 e 18 anos e três foram enquadrados em outros crimes sexuais, como pornografia infantil e aliciamento de crianças. Os alvos, conforme a delegada, são geralmente meninas. “Assim como os estupros contra idosas e os que causam óbitos, os casos com menores de idade são sempre chocantes. Gravidez precoce, com garotas gestantes aos 11 e 12 anos. Também os abusos contra crianças de 5 e 6 anos que, na maioria das vezes, sofrem dentro do ambiente familiar”, lamenta por tudo que observa.

São os avôs, tios, amigos do pai e padrasto os que mais agem. “Dão balas, presentes, atraem as vítimas – que não possuem consciência sobre a situação – com a oferta de guloseimas. No interior, muitas vezes acontece quando os pais vão para lavoura e os filhos ficam em casa, vulneráveis a investida do abusador, que pode ser um familiar ou um vizinho próximo”, exemplifica. Outras vezes, o crime ocorre e só torna-se de conhecimento da polícia quando a mãe, que vive com o abusador, não suporta mais o relacionamento e termina. “É quando chegam os relatos: ‘agora que eles se separaram, posso contar que eu era abusada’”, destaca.

Dos nove casos da Deam, oito possuem autores conhecidos

O perigo, às vezes, está dentro de casa. Dos nove casos registrados na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, oito foram em ambientes familiares ou de trabalho. Os autores, conhecidos das vítimas, aproveitam da proximidade para agir. “As ocorrências envolvem o ex-marido que força a relação sexual, o ‘crush’ que tentou ultrapassar o limite ou até o assédio nas relações de trabalho”, comenta.

Uma dessas situações entre colegas de empresa aconteceu no retorno de uma festa, enquanto a vítima dormia. “O indivíduo demostrou interesse íntimo durante o encontro, mas ela não quis ficar com ele. No retorno, após ela ter bebido muito, adormeceu. O homem então quis sentar do lado dela, uma colega não deixou, mas ele aproximou-se da mesma forma e passou as mãos nos seios da vítima”, detalha. Mais tarde, a mulher ficou sabendo do que havia acontecido através dos relatos das amigas, que a incentivaram a registrar.

Entretanto, uma das situações de 2020 aconteceu no centro de Santa Cruz do Sul, na Rua Thomaz Flores, com um abusador desconhecido. Uma mulher foi abordada por um indivíduo que tentou a arrastar para um terreno baldio, durante a noite. “Ela conseguiu se desvencilhar e saiu correndo. Ele não falou nada, não subtraiu o celular. Conseguimos as imagens mostrando o percurso e naquela mesma noite a BM já havia o abordado após ele ser perseguido por um morador. Juntamos os fatos e o indiciamos”, relata.

Nada é pouca coisa

Se a mulher assediada enquanto dormia ou a vítima atacada durante a noite na cidade não tivessem registrado as situações, os dois abusadores não teriam nem sequer seus nomes nos documentos da polícia. Por isso, é importante entender o quanto cada ato merece atenção. A reflexão sobre o que é estupro, por exemplo, foi evidenciada nas últimas semanas por conta do Caso Robinho. O jogador foi condenado, em 2017, pelo Tribunal de Milão, na Itália, a nove anos de prisão por violência sexual em grupo contra uma jovem albanesa. O caso ocorreu em janeiro de 2013, mas voltou a ser discutido nesse ano por conta da contratação do atleta pelo Santos Futebol Clube.

A defesa de Robinho contesta a determinação da primeira instância. Porém, escutas telefônicas, feitas com autorização da Justiça italiana, revelam que Robinho e os demais envolvidos tinham consciência da condição da vítima, que estava embriagada. “Não ache que é pouca coisa. O assédio praticado durante o estado de inconsciência não deixa de ser um estupro de vulnerável, pois a pessoa não consegue exercer resistência. O mesmo vale para alguém enfermo, em coma no hospital ou em coma alcoólico”, explica a delegada.

Somente no ano passado, Santa Cruz do Sul registrou 19 ocorrências de importunação sexual. Crime que se junta às estatísticas dos abusos contra mulheres e causa indignação em toda a comunidade, principalmente a feminina que, dia após dia, lida com o medo e situações constrangedoras ao sair na rua. “São abusos sem violência, mas são abusos. A importunação sexual ocorre em ônibus, praças, próximo às vítimas, como aquele homem que se masturbava na frente de mulheres”, acrescenta.

Como denunciar?

Se você for vítima de estupro ou outro crime sexual, procure a Polícia Civil o mais breve possível. A recomendação, em caso de estupro consumado, é que a vítima não tome banho para preservar os vestígios e realizar o exame de corpo de delito.

Se o fato acontecer no horário de expediente, vá direto à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), localizada junto ao Centro Integrado de Segurança Pública e Cidadania, na Avenida Deputado Euclydes Kliemann, no Bairro Arroio Grande.

Caso contrário, as vítimas podem ir diretamente à Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), na Rua Ernesto Alves, ao lado do Fórum. “Lá, temos um cartório especializado de atendimento à mulher, numa sala reservada”, salienta a delegada Lisandra. Moradoras do interior que precisem de ajuda também podem contatar a Patrulha Maria da Penha da Brigada Militar.

Após a coleta dos depoimentos das vítimas, elas são encaminhadas para atendimento psicológico. “Temos duas profissionais trabalhando no acolhimento das vítimas. Em caso de menores de 18 anos, a escuta é feita por elas. Tudo para garantir o conforto e a qualidade no atendimento que elas merecem”, diz.

Contatos para urgências:

Polícia Civil: 197

Brigada Militar: 190

Deam/DPCA: 3713-4340

Whats App da Deam/DPCA: 9 8600-1946

Whats App de denúncias da BM: 9 8413-0784

Escritório de Defesa dos Direitos da Mulher: 3715-9305

Lei 14.069/2020

Sancionada neste ano pelo presidente Jair Bolsonaro, a Lei 14.069/2020 garante o Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro. O sistema serve como um banco de dados e conta com informações como características físicas e impressões digitais, além de fotos e DNA dos estupradores. Para o preso em liberdade condicional, também há a informação do local de moradia e de trabalho nos últimos três anos.

Essa proposta auxilia muito, conforme a delegada Lisandra, o trabalho de investigação da Polícia Civil. “Há alguns anos, coletamos materiais genéticos de uma vítima e colocamos no banco de dados do Instituto Geral de Perícias (IGP). Passaram cinco anos e tivemos outro caso. Nessa ocorrência, pegamos materiais do autor e confrontamos com as vítimas. Foi quando fechou com a mulher do caso que não havia sido solucionado. Por isso, precisamos entender a importância de procurar a delegacia o quanto antes”, pontua.


Foto: Luiza Adorna/Portal Arauto
Delegada Lisandra de Castro de Carvalho, titular da Deam e da DPCA
Delegada Lisandra de Castro de Carvalho, titular da Deam e da DPCA