Março de 1977. Nascia em Campo Novo, pequena cidade de pouco mais de cinco mil habitantes no Norte Gaúcho, a mais nova integrante da família Paim da Silva. Filha de família humilde e batalhadora - mãe dona de casa e de pai agricultor e caminhoneiro - a pequena Raquel desde cedo sonhava. Com o caráter moldado pela generosidade dos pais e incentivada pelos três irmãos mais velhos a estudar, não demorou para que as conquistas aparecessem, mesmo que para isso precisasse contar com a ajuda do destino para ingressar na carreira que segue até hoje. Foi quando a interiorana Campo Novo ficou pequena.
A triste perda da mãe, quando Raquel ainda era adolescente, deu mais força para avançar nos estudos e impulsionou a ida para Ijuí. E lá, quando dividia apartamento com uma amiga debruçada entre livros para passar no vestibular e ingressar no curso de Direito, que, por acaso, a segurança pública aparecia em sua vida. “Nunca nos foi permitido pensar em não ir pra aula, em não estudar. Cheguei a conciliar os estudos com o trabalho em um escritório contábil. Em um determinado dia essa minha amiga disse que tinha sido aberto concurso para a Brigada Militar e como ela iria fazer decidi fazer junto”, explica.
Meses depois veio o resultado: aprovada. Era ali que começava uma carreira na segurança pública que já soma mais de 20 anos. Como soldado, Raquel ingressou na Brigada Militar em 1997. “Sempre fui muito incentivada pelo meus irmãos, quando crianças eles me ensinavam a escrever. O Direito foi um caminho fomentado pelo meu irmão mais velho e por conta disso que a polícia entrou na minha vida. Foi por acaso, mas depois que entrou eu não quis mais nada. Passei a focar na carreira policial”, frisa.
Atuou por seis anos em Caxias do Sul e foi lá que conheceu Gustavo Schneider, o seu marido e companheiro de todas as ocasiões. A união foi além do relacionamento e juntos passaram a dividir o amor pelo trabalho de policial. Anos após concluir a formação em Direito na UCS, Raquel decidiu sair da Brigada Militar. Naquela altura, Gustavo havia passado no concurso de delegado da Polícia Federal. Ela, então, logo depois, após mais tempo de estudo e dedicação, se tornaria inspetora da Polícia Civil. Três anos mais tarde, o sonho se tornaria realidade: a jovem de Campo Novo fez novo concurso e virou delegada. Como titular, atuou nos municípios de Entre-Ijuís, por quatro meses, e Tupanciretã, também por quatro meses.
Nova página, mais história
Agora seria a vez de Santa Cruz do Sul entrar na vida de Raquel Schneider - em agosto de 2011, próximo do período de Oktoberfest. “A ideia era ficar em Santa Maria, mas o Gustavo foi transferido para Santa Cruz e eu consegui a transferência também”, conta. “Conhecia apenas uma colega na cidade, fazia o plantão e ia embora. Mas logo de cara vi que o ambiente era bom, na delegacia e na cidade. Tu vê que em um primeiro momento o pessoal é mais fechado, mas depois já te considera da família. E ainda chegamos em agosto, quando Santa Cruz já vivia Oktoberfest. Começamos a participar e logo fomos conhecendo pessoas e se inserindo num vasto grupo de amizade”, relembra.
Grupo de amizade este que não para de crescer. Seja pelo carisma ou pela generosidade, a delegada foi além da faceta “linha dura” dentro da delegacia. Corredora, ciclista e solidária, ela conquista respeito e admiração por onde passa.
Na delegacia, enfrentamento ao crime e projetos sociais
Não raras as vezes, Raquel se debruçou sobre crimes. Atuando na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), o SUS da Polícia Civil, e respondendo pela Delegacia de Encruzilhada do Sul, trabalhou em casos de homicídio, maus-tratos a animais, arrombamentos e colocou na cadeia padrasto acusado de matar uma criança de apenas dois anos. “Têm casos em que tu lida com vítima criança e tu está diante do agressor. Nós lidamos com coisas ruins todos os dias e temos o dever de ir até onde a lei permite. Mas eu já venho à Delegacia sabendo que eu sempre quis fazer isso. Pra mim é um prazer vir trabalhar” comenta.
Mas não é só na linha de frente com a criminalidade que Raquel ganhou notoriedade. Dona de uma Comenda do Comando Regional de Polícia Ostensiva conquistada pela cooperação com o trabalho da Brigada Militar, projetos sociais, também ganham espaço na concorrida agenda de delegada. “Junto com o delegado Luciano Menezes em uma conquista da DPPA, conseguimos ter uma sala exclusiva para o acolhimento de mulheres vítimas de violência. Desenvolvemos atividades lúdicas da PC na Oktoberfest, com escola de trânsito e outras atividades voltadas para crianças e adultos. Outras como distribuições de refeições pela Dupont, com equipes da PC e resgate de cães vítimas de maus-tratos junto com ONGs”, disse.
Pela seriedade e compromisso com a lei, mas também pelo olhar humano, Raquel se tornou inspiração dentro da delegacia. “Tem uma frase que levo comigo que ouvi de um tenente da BM: pra ti o problema que o outro tem pode ser uma bobagem, mas pra ele pode ser o pior problema naquele momento”.
Durante a noite, a solidariedade
Ao cruzar o portão da delegacia de Polícia Civil, a delegada se multiplica em mais versões. A atleta, que participa de grupos de corrida de rua, a ciclista, que pedala ao lado do marido Gustavo, e a parceira, que não cansa de colecionar amigos por onde passa. “As minhas outras atividades me desligam. Corrida, crossfit, pedalada. Eu sempre fui muito ativa, mas regularmente acho que foi em Santa Cruz que adotei como rotina. Encontramos grupos que fazem isso, ciclismo e corrida. Tu te sente motivado por grupo de amigos”, explica.
Mas é outra atividade que mais lhe motiva e alegra: a solidariedade, que por sinal, vem de berço. “Meus pais sempre foram grandes exemplos. Pessoas humildes que buscavam ajudar os outros. Mãe sempre disponível para auxiliar o próximo. Pro pai, eu até dizia: ‘poxa pai, está dando pra ele e pra nós não’. Mas depois fui entender”, pontua.
Foi no Grupo Lotus que Raquel encontrou uma forma de entregar um pouco ao próximo. Diariamente, os voluntários distribuem marmitas e agasalhos para moradores de rua e pessoas carentes. “Eu queria entrar em algo que fosse frequente, que eu visse acontecendo. Tem ‘Amigo de Rua’, que é como nós chamamos eles, com curso superior, que se entregou a um vício e abandonou sua vida. Tu chegar lá com uma marmita, que pra ti foi tão simples fazer, entregar e aquela pessoa sorrir, é gratificante. Tu passa a valorizar muito mais tudo o que tu tem”, conta.
Uma situação em especial ficou na memória. “Eu fiz uma sobremesa e em outro dia perguntaram para outros voluntários se não teria de novo. Isso é bom. Se doar como pessoa e ver o bem que faz para outras. Em um mundo ideal, todas as pessoas deveriam ter condições de serem felizes, terem emprego, que fosse propiciada uma forma de vida melhor, mas infelizmente não é uma realidade. As pessoas muitas vezes reclamam da vida e não sabem o que acontece”, diz.
Com a nova missão nas noites, Raquel não só pretende seguir, mas também influenciar mais pessoas a ajudar. “Precisamos cada vez mais de voluntários, de pessoas que entendam que não estamos fazendo nada além da nossa obrigação como ser humano, de ajudar o próximo, de servir”, arremata.