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Baixa procura por testes faz reduzir novos diagnósticos de infecções sexualmente transmissíveis


Fonte: Jornal Arauto
Publicado 22/06/2021 06:54
Atualizado 22/06/2021 06:54

Geral   ALERTA

Ano após ano, os novos casos de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) têm mantido uma constância em Santa Cruz do Sul. É o que acontece com o HIV, por exemplo, que em 2019 e 2020 contabilizou 89 e 85 registros respectivamente, e em 2021 já contabiliza 29 novos diagnósticos. Assim como em relação ao HIV, o município também vive uma epidemia de sífilis. Se em 2019 os novos casos da doença chegaram a 209, esse número subiu para 279 em 2020 e até o momento neste ano já representa 135 novos diagnósticos. A situação preocupa a Secretaria Municipal de Saúde (SESA) e o Centro Municipal de Atendimento à Sorologia (Cemas), sobretudo porque ao mesmo tempo em que os novos casos despontam, a procura por atendimento e pelos testes rápidos – que detectam essas e outras ISTs e são ofertados gratuitamente nos postos de saúde e ESFs dos municípios, no Cemas ou no SIS da Unisc – teve queda nos últimos meses. 

A situação pode ser reflexo da pandemia, aponta a coordenadora do Cemas, enfermeira Micila Chielle. “Há uma preocupação com a baixa procura, já que novos portadores de doenças sexualmente transmissíveis podem não estar sendo identificados e, dessa forma, não estejam realizando o tratamento adequado ou mesmo mantendo relações desprotegidas”, alerta a profissional. Segundo a enfermeira, a detecção precoce das ISTs é fundamental, pois possibilita o início do tratamento o quanto antes, levando à cura, como ocorre com a sífilis, ou no caso do portador de HIV, evitando que evolua para a AIDS. 

Da mesma forma, em Vera Cruz a demanda de testes rápidos e de atendimentos caiu significativamente desde o ano passado, conforme a Secretaria de Saúde. Mesmo assim, o município contabiliza um novo caso de HIV neste ano, além de sete relacionados a outras ISTs, entre elas um caso de sífilis congênita - transmitida para o bebê durante a gestação. “A população em geral tem buscado pouco este atendimento, dessa forma, muitos dos casos são diagnosticados em gestantes, principalmente da sífilis, já que a testagem faz parte do pré-natal”, avalia a coordenadora da Atenção Básica, Janaína Cristina Luttjohann da Cunha. 

Se por um lado os atendimentos têm queda durante a pandemia, Micila observa que as pessoas continuam circulando e se relacionando sexualmente com novos parceiros, principalmente a partir de encontros marcados através de aplicativos e, por isso, o alerta em relação à testagem e ao uso de preservativo nas relações sexuais anal, vaginal e oral se faz necessário. “Falar sobre o assunto ainda é motivo de vergonha para muitas pessoas. Elas não se sentem à vontade para conversar sobre a sua condição sorológica e a do seu parceiro ou mesmo questionar se fazem testes regularmente. Ainda é preciso evoluir muito quando falamos do assunto, já que por se tratar de infecções sexualmente transmissíveis são um tabu para a sociedade. As pessoas podem conviver com elas e ter qualidade de vida se tratadas corretamente, tal como ocorre com outras doenças”, arremata a enfermeira. 

“Ao fazer uso da medicação, estou tomando vida”, diz paciente com AIDS

O diagnóstico de uma IST pode vir acompanhado de surpresa, sofrimento e vergonha, mas trata-se também de uma oportunidade de fazer o tratamento correto e ter melhor qualidade de vida. É o que ocorreu com Pedro*, de 53 anos, portador de AIDS. O morador de Santa Cruz do Sul realizou o teste rápido há 26 anos, após seu parceiro testar positivo e o resultado lhe deixou muito abalado. “Foi bastante difícil, até porque não existia o Cemas em Santa Cruz na época, então, eu tinha de realizar todos os exames em Porto Alegre e receber a medicação de lá”, recorda. 

Além de ser acolhido e buscar tratamento no Cemas – que um ano depois de seu diagnóstico iniciava as atividades no município -, Pedro recebeu o apoio da mãe - o que nem sempre ocorre com os portadores de ISTs que, muitas vezes, convivem com o preconceito da própria família. “Lembro que quando contei à minha mãe ela disse: ‘meu filho, agora o que tu tem que fazer é buscar o tratamento e seguir a vida’”, relembra Pedro, que dois anos depois de seu diagnóstico perdera seu alicerce, quando a mãe falecera. “Neste momento meu mundo caiu e foi quando eu deixei de fazer o tratamento para a doença. Eu pegava a medicação, mas não tomava. Mas com o tempo, percebi o quanto deixar o tratamento de lado me fazia mal, tanto que emagreci 13 quilos. Por isso falo da importância das pessoas se cuidarem, tomarem seus remédios, pois hoje me sinto muito bem, tenho uma vida normal”, conta ele, que toma diariamente um coquetel formado por um conjunto de três comprimidos, que o auxiliam a ter melhor qualidade de vida e manter sua imunidade. “Costumo dizer que ao fazer uso da medicação, estou tomando vida. Muitos pacientes deixam para começar o tratamento depois, mas quando procuram já é tarde”, alerta.

PRECONCEITO

Ao longo dos anos, Pedro conta que já sofreu preconceito por ser portador da AIDS diversas vezes, entre elas durante uma festa na casa de amigos, quando um dos convidados rejeitou uma bebida compartilhada no mesmo copo por todos por medo de se contaminar. Mesmo após 26 anos do diagnóstico, ele observa que o preconceito ainda ocorre, porém, diz que sua forma de lidar com a situação mudou completamente. “Tive que tirar de mim mesmo este pré-conceito. Hoje, minha família, meus amigos e meus vizinhos sabem e eles convivem normalmente com isso. Sei o quanto é importante informar as pessoas sobre o assunto e digo a elas que é preciso procurar o atendimento no Cemas ou nas unidades de saúde, em caso de dúvida ou suspeita, porque é seguro e sigiloso”, aconselha. 

*Nome fictício utilizado para proteger a identidade do paciente.

 


Foto: Arquivo Jornal Arauto
Procura por testes rápidos caiu durante a pandemia
Procura por testes rápidos caiu durante a pandemia