Ao povo do campo
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Ao povo do campo


Publicado 24/02/2018 09:38
Atualizado 24/02/2018 09:44

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Sim, eu sou jornalista, minha vida é na cidade e minha rotina é agitada. Mas eu também sou uma guria do campo. E hoje, esse texto é para quem, diferente de mim, continua produzindo o que eu e você vamos comer quando tivermos fome. Meu pai, incentivador de meus sonhos, sempre me disse que preferia um destino menos sofrido para mim. O que ele não sabe é que enquanto realizo sonhos de infância na cidade, meu coração bate com o dele no chão batido onde cresci.

A primeira lembrança do meu facebook neste sábado foi a música Mastigando Água, cantada por Enrique Valcanaia e por tantos apaixonados pela música e pelo campo, e compartilhada por mim há 12 meses. Escutei e senti novamente o que amo sentir: O orgulho da minha origem. A alegria da minha infância campo a fora, da tranquilidade de ficar até tarde na rua, da carne farta na mesa, do arroz no prato colhido pela família.

É caipira que chama? Se ser caipira é ser fruto de quem coloca a comida em nossos pratos, que orgulho tenho de ser caipira. Como diz a música: Você por tantas vezes fala mal de mim. E o motivo até eu juro que eu não sei. Eu não devo ser um cara tão ruim. Se o que te mata a fome foi eu quem plantei . O que te aquece o corpo é cria lá de casa. Cobertor de lã, o pão e o café. Sou um sertanejo adoro o meu país. Sou desse meu jeito e assim sou feliz. E você me diga por favor quem é. Quem é você? Será que já curtiu o amanhecer no mato? A relva molhada e os pés sem sapatos? Será que já tocou a terra com as mãos?

Fui criada no interior, longe das oportunidades da cidade, mas perto de tudo que ensina a sermos mais fortes. Entender que a agricultura é essencial. Ver de perto a luta diária de quem não tem expediente, mas pouco tem folga. De quem acorda quando o sol nasce e volta pra casa quando é escuro demais. De quem precisa dizer não para um compromisso divertido, porque o tempo colaborou e é melhor dedicar a tarde para o que vai virar a comida do teu prato. O agricultor é pouco valorizado e é quem mais tem valor.

Mas, não. O agricultor, na mente de muitos, é o caipira ignorante. Não sabe das coisas. Não fala direito. Se veste mal e não faz parte da sociedade. O homem do campo é tido como coadjuvante da vida, enquanto é protagonista. Pai, você pode achar que sei mais do que você por viver no meio dos prédios, do trânsito e escrevendo coisas por aí. Mas, não. O conhecimento de quem é do campo vai muito além de experiências e oportunidades. O colono sabe o que é essencial e enxerga a vida como poucos enxergam.

Obrigada, pai, por acreditar no meu sonho de criança de ser jornalista, por sempre me incentivar e por estar do meu lado, junto com o amor de minha mãe e o apoio de minha irmã. Obrigada por me deixar trilhar o caminho das letras, da escrita e da contação de histórias. Mas saiba que, de todas as histórias que posso contar, minha favorita sempre será sobre a minha origem, no meio do barro, nadando com os peixes, dirigindo trator com 10 anos, esperando a carga de arroz enquanto lia um livro, chegando da escola com a missão de ir para lavoura, voltar já de noite e sorrir por me sentir útil e importante desde tão cedo.

Obrigada por me criar no campo, sem frescura, com todos os cães que eu queria. Obrigada pelo investimento na minha formação, mas obrigada principalmente por me deixar colocar os pés no chão.

Obrigada a todo homem e mulher do campo, que com simplicidade, dedicação e suor no rosto, produz a refeição de todos, com humildade, e sem a necessidade de crédito.

Sejamos mais humildes. Sejamos mais simples. Sejamos mais caipiras generosos, do que engravatados egoístas.

Afinal, eu prefiro os versos bonitos ditos errados do que uma grosseria bem pronunciada. 


Ao povo do campo








Luiza Adorna Jornalista, sonhadora e escritora. Apaixonada pelas letras e pelo jornalismo desde criança. Gosta de observar a vida e registrar o que enxerga pelas ruas. Gosta de contar a história das pessoas. Gosta de narrar a existência humana. Notas de Rua é um blog sobre a vida, sobre o cotidiano e sobre aquilo que não deve passar despercebido.